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Entrevista

“Tecnologias só são efetivas quando integradas ao currículo escolar”

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DANIEL SANES
17/02/2023

A tecnologia tem pautado cada vez mais os debates sobre a educação, sobretudo após a pandemia. E o surgimento do ChatGPT é mais um elemento importante nesse contexto. Como acompanhar todo o processo de disrupção? Para o professor Paulo Blikstein, as novas tecnologias só alcançam eficiência quando incorporadas aos planos de aula. 

Pesquisador e diretor do Transformative Learning Technologies Lab, da Universidade Columbia, nos EUA, Blikstein acredita que os recursos digitais não podem ser adotados como “modismos” que são substituídos de tempos em tempos. Adesão sem planejamento, ele afirma, desorienta todo o sistema educacional. 

Em entrevista ao portal Rhyzos Educação, o especialista argumenta mais a respeito do assunto – e diz o que o Brasil precisa para mergulhar de vez em um amplo processo de inclusão digital.

A entrevista foi editada para efeitos de clareza e concisão. 

Rhyzos Educação – O ensino híbrido se consolidou em meio à pandemia, sem ninguém saber como adotá-lo de forma adequada. Qual a sua avaliação sobre o uso dessa metodologia hoje na educação brasileira?

Paulo Blikstein – Logo foi constatado que adotar essa metodologia era muito mais difícil do que se imaginava. Não era só distribuir aplicativos e chips de celular, tratava-se de um problema muito mais complexo. Em um país em que de 20% a 40% das crianças não dispõem de acesso à internet para o consumo de materiais didáticos, não tem como falar em ensino híbrido público. Para ter alguma chance de ele funcionar, o ponto de partida é termos 95%, 100% das crianças com acesso à internet. 

Em vários países, o Estado se responsabiliza pela distribuição de equipamentos e pelo oferecimento de internet gratuita ou a muito baixo custo para famílias e escolas. Esse é o ponto zero do ensino híbrido, ao qual ainda não chegamos ainda no Brasil. Além dessa questão da infraestrutura básica, temos a metodologia. As metodologias híbridas ou remotas funcionam melhor para pessoas mais velhas – ou seja, para quem está fazendo mestrado, graduações na área de tecnologia… A evidência de que isso funcione para crianças do Ensino Fundamental e do Ensino Médio ainda é muito frágil. Então é um salto no escuro usarmos metodologias híbridas na educação pública brasileira. Porque não temos nem infraestrutura nem a evidência de que as crianças realmente podem aprender nessas condições. 

Leia mais: Pesquisa da McKinsey revela impactos da tecnologia na educação

Quando falamos em inovação na educação, é comum mencionarmos habilidades socioemocionais e metodologias ativas. Você já declarou que esses elementos são “modismos que se esgotam rapidamente e desorientam o sistema educacional”. Pode explicar?

O que eu quis dizer com isso é que, para serem bem implementadas, as novas ideias para a educação precisam de planos plurianuais, mudança nos currículos, formação de professores, criação de materiais didáticos adequados. É necessário contratar mais profissionais para as escolas. 

Falando de habilidades socioemocionais, por exemplo, é preciso ter psicólogos para atender os alunos; em relação a metodologias ativas, você tem que dispor de laboratório, mudar o currículo. Não dá pra ensinar com o mesmo material, com a mesma formação docente. Quando se apresenta novas ideias, não basta fazer uma palestra inspiracional para os professores. Elas exigem um trabalho enorme das redes de ensino. Então quando falo do problema dos “modismos” é o seguinte: você tem um sistema educacional em uma cidade do Brasil e decide implementar habilidades socioemocionais, mas, dali a seis meses, adotar metodologias ativas, e depois de mais seis meses, outra coisa…Essas mudanças desorientam o sistema educacional, porque as equipes são limitadas, não podem fazer vários projetos ao mesmo tempo. E muitas vezes governos e até fundações, professores e pesquisadores acabam levando muitas ideias para as redes sem que de fato existam recursos para isso. São projetos que levam de cinco a dez anos para serem implementados. Acho que em vez de a cada dois anos termos uma nova moda educacional no Brasil, deveríamos focar em, nos próximos cinco anos, fazer bem uma dessas coisas, com todos os componentes desse ecossistema, para que de fato funcione. 

Você aponta os laboratórios maker como bons exemplos de inovação pedagógica. O que falta para a cultura maker ganhar mais espaço na educação brasileira?

Os laboratórios maker têm um enorme potencial de inovação pedagógica porque são um dos poucos espaços na escola em que os alunos e as alunas estão no centro. Vão lá para criar, inventar, fazer experimentos. Se você pensar bem, não existem muitos espaços assim no ambiente escolar. Mesmo os laboratórios de Ciências muitas vezes não são locais para experimentar, são só para demonstração. 

Agora, não basta ter o espaço, ele precisa estar integrado no currículo da escola. E o que isso quer dizer? Que o professor de Ciências tem que ir no laboratório e dar uma aula de Ciências mão na massa; o professor de História, a mesma coisa…O laboratório maker não pode ser só um lugar extraclasse, onde você vai pra fazer uma oficina fora do horário de aula. E não pode ser reservado apenas às crianças que já têm inclinação e facilidade, ou que vêm de famílias com melhores condições financeiras. Não é isso o que a gente quer. 

O trabalho que fazemos em Sobral (CE) é exatamente esse. Redesenhamos todos os currículos de Ciências para que os alunos possam ir ao laboratório maker ter aula de um jeito diferente. Infelizmente, muito do que se faz de cultura maker nas escolas ainda têm caráter excludente. E, para mudar isso, é preciso rever os currículos, formar professores, ter estrutura adequada. Toda mudança educacional precisa desses componentes. Sem eles, obviamente a coisa não dá certo.

Leia mais: Uma conversa com Ronaldo Barbosa sobre educação e tecnologia

Que outras soluções e tecnologias considera realmente inovadoras para o processo educacional? E o que é preciso para que elas sejam efetivas?

Eu acho que as tecnologias agênticas, ou seja, de criação e experimentação, são as com mais potencial inovador e de aprendizagem para a educação brasileira. Porque quando é só uma substituta para a aula expositiva, a tecnologia ajuda em algumas situações, mas não muda essencialmente o que está sendo feito na sala de aula. Quando você traz tecnologias de criação e experimentação, muda a dinâmica, coloca alunos e alunas mais no centro, eles se sentem mais valorizados. E, como já falamos, para que qualquer tecnologia educacional funcione, é preciso incluir alguns componentes. 

Vamos focar nos currículos: a tecnologia precisa estar incorporada ao que o professor faz no dia a dia, ou seja, ao plano de aula. Se o livro didático, apostila ou roteiro não inclui esses novos recursos, o professor nunca vai usá-los! Então esse é o desafio: incorporar esses planos de aulas às novas tecnologias para que seja natural o professor chegar na segunda-feira e dizer “vamos para o laboratório maker fazer um experimento” ou pedir para o aluno abrir o computador e acessar um laboratório virtual. 

Ao mesmo tempo em que a escola precisa ser um espaço de mais inclusão e protagonismo dos estudantes, não pode deixar de lado a preparação para o mercado de trabalho. Como contemplar todas essas demandas com qualidade, especialmente no ensino público?

Antigamente a função da escola era transmitir conteúdos mais ou menos estáticos. Hoje em dia, queremos que todas as habilidades do século 21 sejam contempladas – comunicação complexa, resolução de problemas, pensamento crítico, habilidades com tecnologia e socioemocionais, uma série de coisas. E queremos, claro, que a escola seja um espaço de inclusão e protagonismo, mas também que prepare pro mercado de trabalho. Como contemplar essas demandas com qualidade? 

Primeiro é preciso ter claro que a educação não é barata. Com ou sem tecnologia, ela é cara, porque envolve trabalho de muitas pessoas e 90% desse trabalho é humano, insubstituível. A parte tecnológica entra mais como apoio, mas também custa caro. Essa ideia de que a tecnologia vai baratear a educação é equivocada. Ela vai é encarecer, como encarece também, por exemplo, a medicina. Hoje em dia a medicina é mais cara porque tem uma série de tecnologias que ajudam os médicos no diagnóstico, mas consegue curar muito mais doenças, diagnosticar mais cedo etc. Com a educação é a mesma coisa: vai se tornar mais cara, pois integra novas tecnologias e demandas da sociedade, mas pode também ficar mais eficaz. 

Leia mais: O que é cultura digital. E como ela se aplica à escola

Para contemplar essas demandas será necessário investir de verdade em educação. 

Com certeza. Ter internet nas escolas é uma coisa que o Brasil ainda não conseguiu fazer, por exemplo. Por quê? Porque falta investimento, falta planejamento. Outro ponto importante é ouvir e envolver os estudantes no processo de decisão educacional. Muitas escolas democráticas fazem isso: ouvem alunos e alunas para ver como querem organizar o currículo. Claro que essa voz tem que ser contrabalanceada com a do professor, com os currículos nacionais, mas ouvir os estudantes é fundamental para construir uma escola que atenda essa necessidade de protagonismo e inclusão. 

Outro aspecto é que, à medida que implementamos a educação integral no Brasil, são horas a mais que vamos ter nas escolas, e essas horas podem ser utilizadas para cursos profissionalizantes e espaços maker, além de introduzir uma série de habilidades para o mercado de trabalho, como programação, criação de jogos, coisas da economia criativa, economia verde e ciências de dados, oferecendo oportunidades aos alunos tanto de protagonismo como de preparação para o mercado de trabalho. 

O Brasil passou recentemente por uma transição no governo – que, obviamente, implica em mudanças no modo de se olhar a educação. Quais suas expectativas em relação à atuação MEC nos próximos quatro anos? 

O Brasil teve quatro anos de um apagão educacional. O MEC se omitiu de uma série de questões, como a pandemia, e praticamente não agiu para orientar governos estaduais e municipais. Na verdade, agiu contra a educação brasileira, com políticas de extração ou na direção contrária do que o mundo estava fazendo. Agora o ministério volta a ser gerido por técnicos, por pessoas que entendem de educação. É um alívio enorme ter lá profissionais com boas intenções, que querem acertar. 

Claro que haverá dificuldades, porque enfrentamos uma situação trágica com a pandemia. Ainda é necessária uma mobilização nacional com aulas de reforço, e contratação, por exemplo, de agentes comunitários, professores aposentados, para recuperar a aprendizagem perdida. Praticamente um esforço de guerra. Também é preciso criar uma política nacional, um fórum de tecnologia educacional. Porque a tecnologia não é mais uma ferramenta opcional. Ela é mandatória. 

Mas o custo de infraestrutura tecnológica não é um impeditivo? 

Hoje em dia há uma série de inovações alternativas. Por exemplo: a USP criou computadores ao custo de US$ 30 que poderiam ser utilizados no resto do Brasil. O meu time em Columbia desenhou uma placa de robótica educacional chamada GoGoBoard que custa mais ou menos isso – quase metade ou um terço de outras soluções comerciais. Precisamos engajar a universidade brasileira para desenvolver novas tecnologias de código aberto de baixo custo para as escolas, pois não vamos sobreviver comprando robótica da Europa ou dos Estados Unidos. O MEC tem um prato cheio de iniciativas que pode adotar, mas acho que a questão da recuperação da aprendizagem tem que ser a prioridade. 

Leia mais: Pesquisadora defende acessibilidade da cultura maker


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