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Entrevista

Uma conversa com Ronaldo Barbosa sobre educação e tecnologia

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LILIANE MOURA
26/04/2022

O distanciamento social imposto pela pandemia estabeleceu um divisor de águas no meio educacional. De uma hora para outra, gestores, professores e alunos precisaram assimilar novos métodos, plataformas de ensino remoto e toda sorte de tecnologias. Depois da potencialização das ferramentas digitais, o retorno às aulas presenciais enfim voltou à realidade. E é nesse cenário que muitos se questionam sobre o que, afinal, veio para ficar. Ou seja, o que ser incorporado efetivamente ao processo de ensino-aprendizagem? 

Para entender o papel dos recursos digitais nas instituições de ensino, conversamos com Ronaldo Barbosa, professor do Instituto de Geociências e do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Para ele, que pesquisa as relações entre educação e tecnologia, é hora de aprofundar as reflexões sobre o verdadeiro papel do paradigma tecnológico no ambiente educacional – um tema sobre o qual escreve com frequência no LinkedIn.

Acompanhe, a seguir, nossa conversa – editada para efeitos de clareza e compreensão.

***

Rhyzos Educação – O uso da tecnologia em sala de aula é uma realidade. Mas sabemos que há vantagens e desvantagens, não?

Ronaldo Barbosa – A tecnologia traz novas oportunidades de aprender e de expressar o pensamento, e isso é positivo. Mas também há riscos, como perder de vista a finalidade do uso da tecnologia, de se resolver problemas educacionais que simplesmente não existem. Compare a lousa eletrônica com a lousa tradicional: se o professor escreverá a mesma coisa, qual é a diferença? Outro problema é achar que tudo pode ser resolvido pelo computador, que segue protocolos de comunicação e não admite ambiguidades. Por razões assim, é preciso saber mensurar essas limitações.

De maneira prática, como são usados os recursos tecnológicos na educação?

Tecnologia em sala de aula inclui giz e lousa, mas quando falamos de tecnologias digitais envolve um conjunto de métodos, modelos e recursos baseados em smartphones, computadores e internet. O aluno de hoje tem facilidade com tecnologia, mas precisa de alguém que o oriente a usar para aprender mais e melhor – e que aprenda sobre o que está desaprendendo, também. Por exemplo, em uma aula de Inglês, estudar os algoritmos nas ferramentas tradução para aprender mais sobre um determinado idioma e como aquilo é gerado. Os alunos perceberiam que o Google não traduz nada, mas sim busca e compara padrões de texto que já foram interpretados. Isso seria absolutamente fantástico para testar os limites destes recursos. A mesma coisa acontece com a ciência, a matemática. A gente usa melhor a tecnologia quando a enxerga seus limites. É isso que os professores precisam perceber.

Leia mais: 7 perguntas para a presidente do CNE sobre o ano letivo de 2022

Entre as ferramentas que despontaram em meio à pandemia, quais você destacaria?

Os recursos de videoconferência deram um salto, assim como as ferramentas de salas de aula virtual. Tudo isso é positivo no sentido de facilitar a logística das aulas, mas em si mesmo não implicam maior aprendizado.

Qual deve ser o papel da tecnologia para inovar em educação?

Inovação tem relação com a forma como nos comunicamos com os alunos, na maneira como os avaliamos, em como eles formulam suas ideias e compartilham soluções. Eliminar as provas de matemática pode ser uma tremenda inovação educacional, mas o ganho com isso precisa ser testado.

A velocidade com que aparecem novas tecnologias impede que as inovações tecnológicas possam ser testadas nas escolas, e isso é próprio do conflito entre as áreas. Uma inovação é superada por outra inovação, sem que conheçamos a eficácia da primeira. Daí a importância da aculturação dos professores à tecnologia, para enxergarem o que pode funcionar melhor.

Leia mais: O que é um espaço maker. E como ele se aplica à educação

O excesso de estímulo e informação pode levar à distração. Como evitar ruídos nesse sentido?

Quando se proibiu o uso de celular nas salas de aula, a ideia era resguardar a atenção dos alunos, e não funcionou muito bem. Hoje, o telefone precisa ser integrado à aula. O excesso de distrações e de estímulos tem um alto custo na vida de cada um de nós. Recursos digitais se transformaram em hábitos mentais de uma maneira que ninguém esperava. A leitura e o silêncio foram deixados de lado. Acredito muito no poder das artes e em um certo humanismo quando ensinamos com apoio das tecnologias digitais. É um tremendo clichê dizer que máquinas são menos importantes do que as pessoas, mas precisamos repetir isso como um mantra, sobretudo nas escolas.

Em 2016, a realidade aumentada fez o jogo Pokemon Go virar febre. Parecia que essa tecnologia iria se popularizar em outros segmentos, mas não foi bem o que aconteceu. Trazendo para a realidade das escolas, como diferenciar o que é modismo de recursos com potencial de agregar à aprendizagem?

Se olharmos para o passado, momentos assim aconteceram muitas vezes: multimídia, computadores em rede, internet, Wikipedia. Alguns deles vão e voltam tempos depois. É muito difícil saber o que vai pegar. A finalidade da escola é que precisa ser revisitada, e, com base nisso, os meios para se chegar lá ficam mais claros. As modas “revolucionárias” vão continuar aparecendo.

A pandemia acelerou o uso da tecnologia na educação – do ensino básico ao superior. Agora que as aulas presenciais estão de volta, qual é o maior legado das ferramentas digitais?

Estamos vendo um recuo em várias áreas, mas a mudança aconteceu. Um professor que torceu o pé, por exemplo, agora pode dar aula de casa. Mas pode mesmo? A instituição precisa estar aberta às mudanças e admitir que uma aula pode assumir outras formas. Muitos gestores e professores que duvidavam [do remoto] agora têm que mudar de ideia. Curiosamente, o conservadorismo muitas vezes é maior por parte dos pais e até dos alunos.

Uma vez vencida a pandemia, ainda haverá espaço para professores que resistirem ao digital?

Alguns professores excelentes não gostam e não precisam de recursos digitais. Mas quando descobrem formas novas de atingir mais alunos, tornam-se campeões de audiência na internet. Acho importante os professores acompanharem as mudanças que estão ocorrendo, ainda que desgostem. É o mundo dos alunos que está mudando – portanto, os professores não podem simplesmente ignorar isso.

Ao mesmo tempo em que podem aproximar pessoas, as tecnologias também podem afastá-las. Como você avalia o saldo dessa balança no setor educacional?

Tem um lado negativo que precisa ser explorado na educação da era digital. É a realidade de que tecnologias sociais isolam e deprimem pessoas. Os algoritmos fazem escolhas por nós de forma indesejada, e aqui o excesso de informação é tão ruim quanto a falta dela. Se eu fosse dar um curso para os meus alunos, começaria falando de algoritmos: como eles funcionam e habituam as pessoas a operarem da mesma maneira. Os indivíduos são condicionados a fazer a mesma coisa. Quando se faz somente a inclusão digital antes da cultural, existe o risco de convencer os alunos de que as coisas são fáceis – e elas não são. E a educação não tem que ser fácil, mas interessante.

Leia mais: Na prática: o que nos ensinam os ‘Educadores Nota 10’


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