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Entrevista

Para Viviana Santiago, escola tem responsabilidade no combate ao racismo

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ANA CAROLINA STOBBE
28/11/2022

Segundo dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), trabalhadores negros recebem 40,2% a menos que os brancos pela hora trabalhada. Essa discrepância é resultado do racismo estrutural e, por consequência, da desigualdade no acesso a melhores oportunidades. Diante desse cenário, a educação pode ser um agente transformador na vida de crianças e adolescentes negros que buscam um futuro melhor. 

Para que essa mudança seja efetiva, é fundamental a adoção de práticas antirracistas no ambiente escolar. Em entrevista ao Portal Rhyzos, a pedagoga Viviana Santiago, especialista em Educação em Direitos Humanos, Diversidade e Questões Étnico Sociais e Raciais, que atua no setor de diversidade e inclusão do Instituto Moreira Salles, fala sobre a importância de trabalhar as relações étnico-raciais junto a estudantes e professores. 

A entrevista foi editada para efeitos de clareza e concisão. 

Leia mais: Como adotar práticas antirracistas em sala de aula

Rhyzos Educação – Colégios particulares de várias cidades do Brasil registraram episódios de racismo, intolerância e violência, sobretudo após a eleição presidencial. De que maneira a escola pode prevenir episódios como esses? 

Viviana Santiago – É importante olharmos o que está por trás disso, que é um ódio de classe, de raça e de local de origem. Os estudantes que protagonizam esses episódios desprezam escolhas feitas por todo um grupo. Então, é essencial perceber que esses casos muito provavelmente aparecem de maneiras diferentes em outros momentos. No cotidiano escolar, deve-se ter um diálogo constante das relações étnico-raciais em todos os seus aspectos, para que os alunos não construam uma visão sobre o outro de inferioridade, de pessoas as quais eles acham que não deveriam ter direitos. Além disso, a escola precisa ter muita atenção e fazer a intermediação dessas relações, realizando intervenções quando necessário, de maneira a questionar e trazer ao debate todos esses conceitos que violam a integridade e o reconhecimento do outro enquanto ser humano portador de direitos. Por fim, é essencial dar importância a esses acontecimentos ao invés de minimizá-los. 

Desde 2003, o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira é obrigatório no ensino básico pela Lei número 10.639. A legislação está sendo eficiente para promover uma educação antirracista? 

A lei está quase completando 20 anos da existência, e precisamos reconhecer como é importante poder contar com esse instrumento, conquistado com muita luta da população negra e dos movimentos negros. Principalmente porque diante do absoluto estado de negação do racismo no Brasil, é determinado, por força de lei, que isso esteja presente na escola e que as crianças e os adolescentes brasileiros venham acessar essas informações. Afinal, o conhecimento sobre a contribuição dos africanos e dos afro-brasileiros na constituição do Brasil é um direito. É importante ressaltar que aquilo que está previsto na lei pode ser cobrado. E, apesar de existir há todo esse tempo, ainda é muito forte a negação de alguns segmentos vinculados à educação na implantação da lei, seja por não reconhecerem sua importância, seja pela recusa em abordar esses conteúdos na sala de aula ou devido a estereótipos perversos sobre esses povos e suas culturas. Além disso, não temos investimentos suficientes do governo federal em mudanças no currículo das licenciaturas para incluir esses conteúdos e, assim, preparar os educadores. Ao mesmo tempo, muitas redes de ensino também não contam com um processo de formação continuada eficiente que possa suprir essa lacuna. 

Leia mais: bell hooks e o incentivo à pedagogia engajada

As pessoas negras têm vivências diferentes das pessoas brancas. Como contemplar e acolher as diferentes perspectivas de crianças e adolescentes na escola?

Reconhecer a diversidade das experiências é fundamental para compreender a humanidade. Isso abre espaço para a gente entender a humanidade negra, a humanidade indígena, a humanidade asiática… Assim, rompemos com o modelo hegemônico de ser humano, que é o homem adulto, branco, heterossexual. Contemplar em um processo de educação as relações étnico-raciais é essencial para que a gente compartilhe essas vivências e construa uma verdadeira alteridade e o respeito a toda essa diversidade. 

Muito se discute sobre a relação entre a família e a escola. No caso de uma educação antirracista, qual é o papel da família? 

Pensar nisso é algo sempre muito atual. Afinal, a família é o ecossistema no qual essa criança está inserida e, por isso, é impossível pensar na escola deixando de lado esse laço. O diálogo entre essas duas esferas é, portanto, fundamental. Enquanto o núcleo familiar deve respeitar o que está sendo trabalhado em sala de aula, a escola precisa apresentar os conteúdos e os projetos à família. Dessa maneira, os pais e/ou responsáveis dos educandos podem se engajar e dar certa continuidade a esse ensino, ajudando a mediar a relação do estudante com o mundo. Apesar de muitas famílias não se engajarem suficientemente por diversos motivos e não serem presentes no ambiente escolar, é importante continuar propondo ambientes de diálogo e realizar uma leitura sobre todos os episódios que trazem luz às relações étnico-raciais, sejam eles positivos ou negativos. 

Embora a maior parte da população brasileira se defina como negra, o acesso ao ensino superior ainda é predominantemente branco – apesar das cotas raciais. Estima-se que 18% dos jovens negros estão na universidade, segundo pesquisa do Ipea de 2020. Que ações podem ser tomadas no ensino básico para tornar o acesso ao ensino superior mais democrático?

Esse dado demonstra que ainda existe uma desigualdade para chegar no ensino superior, então as políticas afirmativas precisam existir até que sejam criadas medidas estruturais capazes de corrigir essa inequidade. Já quando pensamos no ensino básico, é preciso pensar na presença e na permanência dos estudantes negros nas escolas. Para isso, é necessária a implementação de políticas públicas intersetoriais e integradas que garantam a permanência dessa população ao longo dos anos. Então, é importante perceber de que maneira a desigualdade no âmbito da remuneração acaba expondo as famílias a uma condição de vulnerabilidade, sendo necessárias políticas de emprego, renda, moradia, transporte e fortalecimento da família, por exemplo. Além disso, as escolas precisam perceber que algumas práticas podem ampliar a evasão. Afinal, quando conteúdos de relações étnico-raciais não são trabalhados, é muito possível que a experiência escolar dessas crianças e adolescentes negros seja de um não lugar e que elas sejam vítimas de racismo.

Leia mais: Professora busca ampliar oportunidade de ensino no Capão Redondo


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