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Entrevista

“Precisamos de escolas que valorizem a conexão com a natureza”

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DANIEL SANES
30/08/2023

A pedagoga Mônica Pilz Borba é uma pioneira. Há 30 anos, quando nem se falava em ESG ou nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, ela foi uma das fundadoras do Instituto 5 Elementos, criado com o propósito de disseminar conceitos e práticas educativas focadas na sustentabilidade.

Além de atuar como diretora executiva da organização, hoje ela exerce a mesma função na Casa do Rio, no município de Careiro (AM). “Você pode até pensar que as crianças da Amazônia estão brincando nas árvores, em volta da escola, mas, por incrível que pareça, muitas vezes elas ficam fechadas em sala de aula o dia todo. A arquitetura das escolas, de modo geral, não é propícia para trabalhar uma educação voltada à sustentabilidade. Uma pedagogia voltada à floresta contribui muito para o melhor desenvolvimento infantil”, afirma.

Em entrevista ao Portal Rhyzos, Mônica fala sobre a importância de um currículo flexível, do estímulo à capacitação docente e de políticas públicas que promovam uma educação verdadeiramente sustentável.

A entrevista foi editada para efeitos de clareza e concisão.  

Rhyzos Educação – Você defende um modelo de educação integrada, vivencial, em que os elementos da natureza estejam presentes. Como implementar esse tipo de educação mais sustentável?

Mônica Pilz Borba – Acredito que a escola deveria trabalhar por meio de projetos, com as áreas do conhecimento estando a serviço dos interesses do grupo. Para existir esse tipo de educação, é preciso ter um currículo muito flexível, com a espinha dorsal sobre o que realmente importa para a humanidade: viver em conexão, com respeito ao planeta. Nós ainda sabemos muito pouco sobre a Terra e seus ecossistemas. Para implementar esse tipo de educação, deveríamos compreender como funciona a cooperação entre todos eles.

Hoje se fala muito em ESG e em como aplicar os 17 ODS da ONU dentro das organizações. O que a escola pode fazer para colocar esses conceitos em prática?

Nós temos um documento muito importante no âmbito mundial, que é a Carta da Terra. Ela já existe há muitos anos (a primeira versão do documento, que propõe a construção de “uma sociedade global justa, sustentável e pacífica”, foi elaborada durante a conferência Rio-92) e deveria servir de base para todas as escolas do planeta. E, nesse sentido, podemos falar também sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Como é que uma escola poderia trabalhar com isso? Adaptando a realidade local ao bioma onde vivemos, às relações econômicas, sociais e culturais de cada lugar. É necessário construir um currículo junto com alunos e professores para colocar isso em prática, com a perspectiva de traçar objetivos que tragam benefícios a todos. Precisamos de uma escola que cuide dos recursos hídricos, das relações humanas, das plantas, da comunicação entre as pessoas. Não é algo fácil, mas é importante aprofundar os 17 ODS integrados à Carta da Terra. Acredito que essa seria uma boa dica para colocar esses conceitos em prática.

Leia mais: Educação de qualidade: o que é o ODS 4 da ONU

Como a educação sustentável vem sendo abordada nas instituições de ensino brasileiras? Estamos atrasados em relação a outros países?

Nós temos uma Política Nacional de Educação Ambiental que, infelizmente, até hoje não foi implementada nos currículos. Nas universidades, todas as graduações deveriam ter uma disciplina com a temática da educação sustentável. Os professores de educação infantil, fundamental e ensino médio não têm capacitação para trabalhar com esses temas. Isso vem acontecendo de forma muito desorganizada, cada um vai fazendo do jeito que dá, com iniciativas pontuais como captar água de chuva, separar o lixo… Não estamos tão atrasados em relação a outros países, mas poderíamos estar mais avançados se as políticas públicas desenhadas no Brasil fossem efetivadas tanto pelo MEC quanto pelo Ministério do Meio Ambiente. Acredito que a gente possa avançar investindo mais em formação de professores e em escolas que valorizem as áreas verdes, em conexão com a natureza. Uma das soluções seria as escolas estarem dentro dos parques e praças, para que esses espaços sejam mais vivos, mais aproveitados pelas comunidades.

Uma educação voltada para a sustentabilidade é essencial para a sobrevivência do planeta. E para os alunos, o que ela pode proporcionar?

Hoje o mundo está acelerado, e as pessoas, de maneira geral, não gostam de se conectar à natureza. Muitas vezes os alunos têm até medo dela, desconhecem, não sabem se relacionar. Acredito que uma educação sustentável deve fazer com que eles se entendam como parte deste planeta. Porque às vezes parece que o ser humano não percebe isso. Quem sabe com uma educação para a sustentabilidade a gente possa criar uma conexão mais respeitosa, não só das pessoas com a natureza, mas de umas com as outras.

Leia mais: Lourdes Atie: “O mundo mudou – e a escola precisa mudar também”

O Instituto 5 Elementos está completando 30 anos, com um legado que inclui vários projetos, como o Dedo Verde na Escola, de alfabetização ecológica (que acabou gerando um livro). Poderia falar um pouco sobre ele?

São muitas histórias, muitas iniciativas, sempre trabalhando com a perspectiva do consumo responsável, com a agroecologia. O Dedo Verde na Escola possibilitou inúmeras vivências para crianças, professores e famílias nessa conexão com a natureza. Foi um grande aprendizado coletivo, com a criação de minhocários, plantio, cultivo, brincadeiras… O projeto realmente influenciou o currículo das escolas participantes e trouxe um olhar diferente na relação com os espaços escolares, principalmente ao ar livre. Como educadora ambiental, vislumbro que uma escola com foco na educação para a sustentabilidade deveria ser mais aberta, cooperativa, com crianças maiores junto com as menores, umas cuidando das outras, e que elas possam construir seus brinquedos e suas brincadeiras. Minha missão é colocar essa pulga atrás da orelha dos educadores. De estimular a pensar em como a gente poderia transformar nossas escolas em espaços que potencializem uma cidadania ligada ao equilíbrio do planeta.

Você também atua como coordenadora do projeto Primeira Infância Cidadã (PIC) em São Paulo. Como ele funciona?

O PIC é um projeto da Avante, que é uma ONG que trabalha com educação infantil. Financiado pela Petrobras, está funcionando em 15 municípios, com duração de três anos. Uma questão muito importante na questão da primeira infância é trabalhar a intersetorialidade entre saúde, educação e assistência social. Fazer o sistema de garantias de direitos funcionar de fato. Esse projeto busca conectar as áreas das prefeituras em prol de um melhor atendimento às crianças de 0 a 6 anos. E é óbvio que dentro dessa perspectiva se fala muito sobre qual é o papel de uma cidade educadora para a primeira infância, que é a fase mais importante do desenvolvimento humano. Já atuei como professora da educação infantil e posso dizer, com certeza absoluta, que uma educação libertadora e conectada com a natureza é fundamental para a formação de crianças, jovens e adultos mais maduros e seguros.

Leia mais: O “S” de ESG – e o que isso significa para a educação

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