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Entrevista

Paulo Fochi: “Não existe ensino remoto para educação infantil”

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DANIEL SANES
17/08/2022

Ainda vai levar um bom tempo para que todos os impactos da pandemia na área da educação sejam mensurados. Mas alguns deles já são bastante perceptíveis, especialmente para quem tem filhos pequenos. Se entre crianças maiores, adolescentes e jovens o ensino remoto se tornou uma prática comum, na primeira infância ele se mostrou pouco eficiente.

Um estudo realizado em 2021 pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com apoio da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal mostrou que o isolamento social impactou de diversas formas a vida de 8,9 milhões de alunos entre 0 e 5 anos, provocando um déficit na aprendizagem, especialmente entre os estudantes vindos de famílias com nível socioeconômico mais baixo. Esse panorama preocupa o coordenador do curso de especialização em Educação Infantil da Unisinos, no Rio Grande do Sul, Paulo Fochi.

Doutor em Educação na linha de Didática, Teorias de Ensino e Práticas Escolares pela USP, o pedagogo gaúcho é crítico da atuação do Ministério da Educação (MEC) durante o auge do isolamento social. “Não houve orientação alguma do MEC. Nada foi feito de concreto”, lamenta ele, que em 2013 criou o Observatório da Cultura Infantil (Obeci), uma comunidade de apoio ao desenvolvimento profissional docente.

Consultor e redator da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e autor de livros como Afinal, o que os bebês fazem no berçário? (Penso, 2015), Fochi conversou com o Portal Rhyzos sobre as dificuldades observadas na educação infantil brasileira desde a pandemia.

A entrevista foi editada para efeitos de clareza e concisão.  

Rhyzos Educação – A pandemia ainda não acabou, de fato, mas praticamente todas as atividades voltaram “normal”, inclusive as aulas. Como avalia o retorno da educação infantil?

Paulo Fochi – O auge da pandemia foi um momento difícil, tivemos algumas situações bastante complicadas de lidar. No começo, foi muito importante a escola estar fechada, até porque não tínhamos informações suficientes sobre o vírus, sobre contágio. À medida que começamos a avançar e compreender melhor as questões sanitárias, a retomada das aulas se mostrou de fundamental importância. As escolas de educação infantil têm uma capilaridade muito importante na vida das crianças, especialmente as mais vulneráveis. O período em que elas ficaram fechadas, em especial as escolas públicas, gerou impactos severos na vida dessas crianças, não só na aprendizagem, mas na vida delas.

Leia mais: Pandemia e TikTok aceleram o uso de telas entre crianças e adolescentes

Quais foram esses impactos?

Para algumas crianças, por exemplo, a merenda escolar representa 70% da dieta alimentar. Então a escola acaba exercendo essa função social também. Além disso, a gente começou a ver também que elas sentiam muita falta do ambiente escolar, de estar com os amigos. Em relação ao contágio, felizmente o impacto foi muito pequeno, menor do que se temia. Foram poucas as instituições que tiveram surto, pelo que se sabe. Ainda assim, era importante que as crianças pudessem ser vacinadas o quanto antes, como estava sendo feito em todos os lugares do mundo, e pressionamos para que isso ocorresse. Este ano o que temos observado e ouvido são muitos relatos de professores e diretores de alguns impacto sda pandemia nas crianças. A gente percebe uma agressividade meio generalizada nelas, que tem causado bastante preocupação, e estamos tentando entender que mediações pedagógicas podem ser feitas nesse sentido. Outro dado alarmante que percebi em uma das redes que assessoro é relativo ao que se tinha de crianças autistas antes da pandemia. O número de crianças com laudo de autismo quadriplicou. Claro que o maior tempo de convivência com os filhos permitiu que os pais ficassem mais atentos aos sinais. Dialogando com a equipe de educação especial dessa rede, ouvi relatos de que houve um impacto provocado pelo confinamento, pela privação do contato com os amigos, do brincar, e pelo excesso de exposição à tela e a ambientes hostis, de agressão. Esses fatores, somados a tantos outros – que a gente talvez só consiga avaliar entendendo caso a caso – explicam um pouco esse quadro.

Em relação ao ensino remoto para as séries iniciais, acha que funciona ou não?

Não existe ensino remoto para educação infantil. Estamos falando de crianças de 0 a 6 anos. Como o próprio nome diz, a escola de educação infantil não é um espaço de ensino, é um espaço de educação. Não é um espaço que tem como função a instrução acadêmica, e sim o desenvolvimento integral das crianças, que se dá muito, como um dos eixos das diretrizes da educação infantil sinaliza, por meio da interação entre as crianças, e não há como viver isso de forma online. O que algumas instituições fizeram foi uma tentativa de manutenção de vínculo, de tentar participar de alguma forma da vida da criança, da vida da família, de contribuir para aquele momento tão complicado, entre 2020 e o início de 2021. Mas não passa nem perto do que é uma oportunidade educativa. Talvez as duas informações claras que a gente reiterou durante essa pandemia são: primeiro, que a escola de educação infantil é um espaço social importantíssimo para as crianças; segundo, que não existe qualquer possibilidade de educação remota na faixa etária entre 0 e 6 anos.

Leia mais: Tatiana Lebedeff: “Professores foram os menos escutados na pandemia”

Em relação à pandemia, você acha que faltou orientação do Ministério da Educação?

A gente não teve determinação do MEC. Nenhuma. Durante toda a pandemia. No final de 2021, por exemplo, câmaras técnicas de enfrentamento à pandemia foram instituídas pelo Ministério da Educação. Isso me chamou a atenção e eu fui cobrar qual era a orientação do MEC. O que que se fez, em dois anos de pandemia, a respeito de impactos que vão durar pelo menos uma década, na vida das crianças? Nada de concreto foi feito. O que aconteceu foi redução de investimentos, e o não investimento de dinheiro que ficou parado. Isso em meio a dificuldades com infraestrutura, acesso à internet, formação de professores… Uma série de problemas que precisavam ser solucionados e não foram.

Em relação a estratégias pedagógicas, dá para dizer que a pandemia impulsionou ou ainda vai impulsionar novas abordagens na pedagogia infantil? O que fica de lição?

Na educação infantil eu acho que não ocorreram grandes avanços nesse sentido. Ao contrário, vejo até um certo retrocesso. Muitas escolas fizeram o que eu chamo de “pedagogia delivery”, com entrega de trabalhinhos, medindo produtividade, voltando lá para o século 19. Algo bem diferente do que ocorreu no ensino superior. Eu, como professor de ensino superior, experimentei algumas coisas, no remoto, que estou incorporando agora nas minhas atividades presenciais. Mas não é o caso da educação infantil. O que eu acho que ficou como uma conquista interessante desse período de ensino remoto é que ocorreu uma aproximação maior com as famílias. Toda e qualquer relação com as crianças acabava sendo mediada por familiares, porque precisavam usar o celular de alguém da família, integrar um grupo de WhatsApp. Essa era uma questão em que eu via uma fragilidade da escola, de se conseguir se conectar com as famílias, que estavam sempre muito atarefadas, e que teve uma mudança por causa da pandemia. Dá para dizer que é uma conquista, e tomara que permaneça.


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