Intolerância religiosa: qual é o papel da escola no combate à discriminação?
DANIEL SANES 21/01/2023
Em 1999, uma fotografia da ialorixá Gildásia dos Santos e Santos, fundadora de um terreiro de candomblé localizado em Salvador, na Bahia, foi parar na capa do jornal Folha Universal, da Igreja Universal do Reino de Deus. Acompanhando a imagem – na qual Mãe Gilda, como era conhecida, aparece com uma tarja preta sobre os olhos –, a seguinte manchete: “Macumbeiros charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes”.
O episódio é apenas um entre os diversos em que a sacerdotisa foi vítima de violência, seja física, verbal, moral ou patrimonial. Com a saúde abalada, Mãe Gilda faleceu em 21 de janeiro de 2000, em decorrência de um infarto. Sete anos depois, a Lei nº 11.635/07 instituiu a data de sua morte como o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa.
Mesmo com toda a repercussão do caso e com leis que asseguram a liberdade de culto religioso, a discriminação ainda é comum no Brasil. A principal forma de acabar com o preconceito é combater o mal pela raiz e formar cidadãos mais tolerantes e conscientes de que as diferenças existem e devem ser respeitadas. É por isso que a educação tem um papel determinante no combate à intolerância religiosa, construindo essa percepção através do pensamento crítico.
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Raízes do preconceito
Do ponto de vista jurídico, o Brasil é um país laico. Ou seja, o Estado não adota uma religião oficial. Conforme o inciso VI do artigo 5º da Constituição Federal, “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.
Mesmo assim, os casos de discriminação vêm crescendo nos últimos anos. De acordo com reportagem do portal G1, em meados de 2022, o Disque 100, telefone para denunciar violações de direitos do até então denominado Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, registrava três denúncias diárias de intolerância por motivos religiosos.
O preconceito atinge pessoas de diversas crenças, mas geralmente envolve outros dois fatores: a xenofobia (como ocorre com os muçulmanos, por exemplo) e o racismo. No Brasil, isso fica evidente quando se constata que a maioria dos ataques estão relacionados a religiões de matriz africana, como o candomblé e a umbanda.
“Nesse caso, a intolerância religiosa carrega uma vontade de anular a crença associada aos povos originários da África”, observa o professor de Sociologia Francisco Porfírio em artigo escrito ao portal Brasil Escola.
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Nenhuma religião é superior (ou inferior)
Um dos meios de combater essa discriminação é o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira nas escolas, previsto por lei desde 2003. Em entrevista ao site do canal Futura, a pedagoga e iyálorixá Thiffany Odaraofa ressalta que, como o ambiente escolar é um reflexo da sociedade, trazer o tema para debate ajuda a mudar a visão de que há uma crença superior às demais.
“A Lei 10.639 traz para o centro da discussão a religiosidade, a cultura e a vivência africana para sala de aula, desconstruindo assim, a visão cristã e eurocêntrica de uma só religião, uma única maneira de ser e estar no mundo”, argumenta.
Até mesmo na esfera jurídica há o entendimento de que a educação é o principal meio de mudar essa realidade sem “andar em círculos”. “É preciso ir na base, para que a criança entenda que outros não terem a mesma religião que a dela não quer dizer que essa religião seja ruim”, defende a advogada criminalista Fayda Belo, em declaração à CNN Rádio, lamentando que a lei de 2003 não seja, de fato, aplicada nas escolas.
Descobrindo a diversidade na prática
Algumas práticas no ambiente escolar viraram referência no combate à intolerância. Uma delas é o projeto Lugares da Religião: Espaço, Patrimônio e Cultura Material em Campinas, que a partir de 2015 propôs levar o conhecimento das múltiplas denominações religiosas existentes às escolas públicas do município paulista. A iniciativa, coordenada pelo professor Fábio Augusto Morales, foi realizada no turno escolar em disciplinas como História e Geografia, com a participação ativa dos docentes em discussões, oficinas e passeios promovidos com os alunos.
“A intolerância é baseada tanto pelo desconhecimento sobre a história de outras religiões quanto da própria. Então, buscamos trazer elementos que marcassem as diferenças e as semelhanças entre as diversas denominações”, explica Morales, que em 2018 ajudou a criar um projeto semelhante em Florianópolis (SC). O grande objetivo é disseminar a iniciativa em escolas de todo o País.
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