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Entrevista

Noslen Borges: “O professor deve ir aonde o estudante está”

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DANIEL SANES
13/10/2022

Ele canta, dança, toca violão. Seu canal no YouTube conta com mais de 4 milhões de inscritos. No Instagram, são um milhão de seguidores – e no TikTok ele segue o mesmo caminho, com 754 mil. Sim, ele tem pinta de popstar. Mas, acima de tudo, é um professor de Língua Portuguesa.

Com sua persona bem-humorada e uma linguagem que fala diretamente com os jovens, o curitibano Noslen Borges se tornou um dos maiores fenômenos da internet brasileira na área da educação. Suas aulas incluem videoclipes que parodiam músicas de artistas populares (de Barões da Pisadinha a Valesca Popozuda), buscando tornar o ensino de gramática, literatura e redação algo mais suave.

“Aprender sempre demanda algum esforço. Por que tornar isso ainda mais pesado, se é possível fazer do aprendizado algo leve, objetivo e acessível a todo mundo?”, explica Noslen.

Hoje, aos 43 anos, o “edutuber” se dedica exclusivamente ao canal – além, é claro, de dar palestras e participar, como jurado, da competição musical Canta Comigo, programa exibido pela Record TV. Em conversa com o Portal Rhyzos, Noslen fala um pouco sobre sua carreira e conta como decidiu dar aulas pela internet.

A entrevista foi editada para efeitos de clareza e concisão.

Leia mais: Na prática: o que nos ensinam os ‘Educadores Nota 10’

Rhyzos Educação – O que fazia antes de se tornar um edutuber?

Noslen Borges – Sou professor há 19 anos, formado pela Universidade de Tuiuti, no Paraná, em Letras – Portugues/Espanhol. Comecei a trabalhar já no primeiro semestre de faculdade, em cursos solidários, e depois fui entrando em colégios e cursinhos pré-vestibular de Curitiba. Durante muito tempo dei aulas na rede privada do município – e também na região metropolitana e no litoral paranaense. Trabalhei por 18 anos em sala de aula presencial, e este é o meu primeiro ano fora dela.

Como surgiu a ideia de ensinar Língua Portuguesa pelo YouTube? Imaginava que teria essa repercussão toda?

Na minha trajetória como professor, sempre busquei ser um facilitador do conteúdo. A ideia de me tornar um edutuber, de ensinar Língua Portuguesa pelo YouTube, foi algo natural nesse processo. Lá pelo segundo semestre de 2015, ocorreu um boom dos smartphones no Brasil, todo mundo começou a ter acesso e a levar o celular para sala de aula. Na época, eu trabalhava em sete instituições de ensino e nenhuma delas estava preparada para essa tecnologia. E o que aconteceu? Começaram a pedir pra tirar o celular dos estudantes, colocar aluno para fora de sala. Eu pensava justamente  o contrário: “o celular chegou pra ficar, precisamos usar essa ferramenta a nosso favor. E mais: não só vou usar essa ferramenta como vou levar a Língua Portuguesa para dentro dela”. E o caminho mais fácil para isso na época era o YouTube. Criei o canal no fim de 2015, soltando um vídeo-piloto que teve em torno de 1.400 visualizações. Foi aí que me ocorreu: “opa, alcancei aqui mais alunos do que eu tenho no presencial”. Comecei a postar de forma recorrente a partir de março de 2016 – conteúdo de Ensino Médio, desde o mais básico até o mais aprofundado; primeiro a parte de gramática, depois redação e literatura. Jamais imaginei que teria toda essa repercussão! Em nenhum momento pensei: “vou viver disso”. Eu só queria acompanhar o meu estudante. Costumo parafrasear o Milton Nascimento, que diz que “o artista deve ir aonde o povo está” (trecho da canção “Nos bailes da vida”, composta em parceria com Fernando Brant). Acredito que o professor deve ir aonde o estudante está. E meu estudante estava na internet.

Leia mais: Como tornar a matemática divertida na escola  

Você sempre viu o smartphone como uma ferramenta que pode contribuir com o aprendizado. No Brasil, ainda temos leis estaduais que não permitem o uso de celulares em sala de aula. Como mudar esse paradigma?

Em primeiro lugar, acho que depois de tudo o que vivemos nos últimos anos eu nem preciso oferecer muitos argumentos para as pessoas entenderem a importância do uso de ferramentas educacionais a distância. A educação foi impactada de uma forma muito brutal pela pandemia, e a falta de acesso à tecnologia ficou evidente por conta de um problema social que a gente sabe que é bem maior – as pessoas não têm internet, celular, às vezes sequer alimentação… Para além desse aspecto, a pandemia antecipou em pelo menos dez anos as mudanças na educação. O que nós veríamos talvez daqui a dez anos tivemos que entender de modo imediato, que é o formato de educação híbrida. Não acredito que para a Educação Básica o online vai substituir o presencial, mas é, sim, um grande reforço. E a gente precisa entender isso. Essas leis que impedem o uso de celular em sala de aula precisam ser revistas, com toda a certeza, porque precisamos desse hibridismo na maneira de ensinar, na maneira de fazer a educação e também de trabalhar com a aprendizagem. As gerações que vêm chegando estão cada vez mais ligadas nas novas tecnologias. É preciso mudar a mentalidade de que educação não combina com internet. Está mais do que provado que a educação tem que estar em qualquer lugar, ainda mais agora.

O uso de humor para interagir com os alunos é uma tradição nos cursinhos para concursos ou em pré-vestibulares. No entanto, essa abordagem é rara quando se trata de uma sala de aula tradicional. Ainda há muita resistência em relação a uma didática mais bem-humorada?

Sou de uma época em que as pessoas falavam que “estudar dói, estudar é sofrido”. Sim, é. Aprender sempre demanda algum esforço. Por que, então, tornar isso ainda mais pesado, se é possível fazer do aprendizado algo leve, objetivo e acessível a todo mundo? Minha função como professor é fazer com que essa aprendizagem, que já tem suas demandas pesadas por natureza, se torne um pouco mais suave. Essa didática bem-humorada tem muito a ver comigo, eu sou assim! Talvez algumas pessoas não tenham esse bom humor para dar aula, mas também não precisam ser carrancudas… Mas acho que, acima de tudo, o professor precisa entender que, em uma sala de aula com 30, 40, 50 alunos muito diferentes entre si, tentar atingir a todos é um esforço hercúleo. Por isso, tornar a aprendizagem mais leve deve ser um objetivo por parte de quem ensina.

Leia mais: Não seja um professor ‘spam’. Seja influenciador

Ao identificar as principais dificuldades dos alunos, você decidiu desenvolver uma metodologia capaz de levar o aluno “do zero à aprovação”, seguindo um passo a passo. O resultado foi um curso, disponível em seu site. Poderia falar um pouco sobre ele?

No site, eu desenvolvi uma didática própria, em que apresento o conteúdo de forma bem objetiva, sem vídeos muito longos, assim como já faço no YouTube. A diferença é que esses conteúdos são ainda mais “mastigados”: se lá no YouTube eu tenho um vídeo sobre substantivos que dura 15 minutos, no meu site disponibilizo um módulo inteiro sobre o mesmo assunto, mas com o conteúdo bem fragmentado. São vídeos de dois, cinco, oito minutos, para que o aluno possa assistir, voltar, pausar… Todas as aulas são bem divididas, para que o aluno possa entender passo a passo aquele conteúdo, com material de apoio para baixar, além de exercícios e simulados.

Existem muitos projetos inovadores na área da educação, mas nem sempre eles são valorizados. O que você diria para os professores que se sentem desestimulados, seja pela falta de recursos, seja pelas limitações do sistema educacional brasileiro?

Eu entendo bem essa situação. Estive em sala de aula até 2021, então sei o quanto a educação no Brasil é sofrida. Quando falamos sobre desestímulo, acho que, em primeiro lugar, é preciso se fazer uma pergunta: por que me tornei professor? Esse é o foco que não podemos perder. Segundo: precisamos continuar lutando para que as políticas públicas educacionais sejam melhores, para termos algo de concreto em relação ao discurso de que a educação muda o Brasil. Porque na teoria tudo é muito bonito, mas na prática não existe nenhum suporte para que isso aconteça. E esse suporte precisa passar pelo professor. Então a gente tem que continuar batendo nessa tecla, tem que cobrar investimentos por parte dos governantes. Infelizmente, ainda existe a mentalidade de que a educação é deixada de lado porque “não dá dinheiro”. Em relação ao professor, sugiro que não ponha suas esperanças numa cesta só. Tenha outros projetos, faça alguma coisa diferente. E não estou falando para abandonar a profissão, não! Leve seu jeito de dar aula para o online, busque fazer mais do que estar só em sala de aula presencial. Arrisque-se na internet ou até mesmo criando outros projetos educacionais que possa dar conta, como aulas de reforço da sua disciplina. Ser um microempreendedor da educação pode dar um pouco mais de alívio financeiro, e sabemos que muitas vezes o desestímulo vem da falta de reconhecimento, inclusive salarial. E isso pode ajudar também se o professor se sente desestimulado pela falta de interesse dos alunos. Na internet, ele pode buscar uma abordagem diferente, ter uma nova visão do processo de aprendizagem, levá-la para dentro da sala de aula e, quem sabe, mudar essa realidade. Em resumo, o que eu digo para os professores é: sejam resilientes e criativos no processo educacional. Não existe só a sala de aula formal, há outros lugares em que você pode ensinar.

Leia mais: Professores trocam experiências em busca de ensino qualificado


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