“A escola é uma ponte entre o conhecimento do passado e o presente”
LEONARDO PUJOL, da agência República
28/03/2023
A escritora carioca Ana Maria Machado é uma das mais prolíficas do Brasil. Aos 81 anos, ela publicou mais de 100 livros – e sua obra já foi traduzida em 28 países. Prêmios, tem de monte. Em 2000, recebeu o Hans Christian Andersen, considerado o Nobel mundial da literatura infantil. Também ganhou o Jabuti (três vezes), o Machado de Assis e o Príncipe Claus, da Holanda. Em 2023, completará 20 anos de Academia Brasileira de Letras (ABL).
A vasta experiência lhe garante autoridade quando opina, por exemplo, sobre o revisionismo literário – um debate bastante atual. Ou para opinar sobre o papel da escola e a importância do hábito da leitura. Para Ana Maria Machado, a escola é uma ponte entre o passado e o presente. É também o ambiente ideal para que os alunos percebam suas diferenças tanto quanto suas semelhanças.
A seguir, você confere uma entrevista exclusiva da autora para o Portal Rhyzos. Ela acaba de lançar, pela FTD Educação, o reconto de O alfaiate valente, clássico dos irmãos Grimm, com ilustrações de Bruno Nunes. “Reconto significa contar de novo”, explica Machado. “É como sempre funcionaram as histórias da tradição oral, que sucessivas gerações vieram mantendo vivas ao longo da história.”
A entrevista, concedida por e-mail, foi levemente editada para efeitos de clareza e concisão.
Rhyzos Educação – Qual é o papel da escola para o incentivo à leitura, especialmente nos dias atuais?
Ana Maria Machado – A escola transmite conhecimentos acumulados pelas gerações anteriores. Para começar, ela ensina a ler. Mas também tem um papel importante na valorização desse conhecimento acumulado pela humanidade através dos tempos. É uma espécie de ponte que assegura que as crianças e jovens de cada tempo receberão uma parte de uma herança cultural a que têm direito e não pode deixar de lhes ser entregue.
Além disso, é um espaço de convívio democrático por excelência. Um lugar onde cada um sai de seu ambiente familiar e entra em contato com indivíduos diferentes, que têm outra história pessoal, outras características, outras opiniões, outras experiências e precisam ser respeitados. É o ambiente ideal para começar a descobrir como somos todos diferentes e como nos assemelhamos em tantas coisas, apesar disso. E as duas principais formas que a escola tem para propiciar esse encontro são o próprio contato com os colegas e o estímulo à descoberta da leitura.
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Numa entrevista recente, a sra. disse que, “depois do Ensino Fundamental, em geral os professores não leem mais com os alunos. Então, os adolescentes vão deixando de ler”. Mencionou também a falta de exemplo – os jovens não veem os adultos lendo. Quais são outros fatores que impedem o País de ter um número maior de leitores?
São muitos. Entre eles, a falta de bibliotecas públicas com horários acessíveis a todos e a pouca oportunidade de contato com a leitura literária na formação dos professores.
No universo dos livros, o revisionismo está em pauta: algumas editoras começaram a revisar textos e apontar palavras e trechos não inclusivos ou ofensivos para determinados grupos. Os críticos chamaram isso de censura e perseguição. Os que são a favor defendem que as mudanças visam uma cultura onde crianças com excesso de peso não sofram bullying na escola, por exemplo. O que a senhora pensa a respeito dessa “limpeza literária”?
Isso nasce de uma confusão lamentável entre arte e bula de remédio. Literatura é uma forma de arte, não é um instrumento para recomendar comportamentos. Como toda arte, é um fenômeno que se caracteriza pelo domínio do material de que é feita – no caso, a linguagem. É para ser lida como uma curtição da história, dos personagens, das situações, da maneira de empregar as palavras. Se houver alguma situação delicada na história lida em sala de aula, deve ser discutida com todos incentivando-se a crítica ao que se achar que deve ser criticado – esse é o papel da educação, e o professor é fundamental para conduzir esse debate.
No mundo exterior, e pela vida afora, os alunos vão encontrar situações que não são pasteurizadas. Precisam ser preparados desde cedo a enfrentá-las e combatê-las, não a fazer de conta que não existem. É responsabilidade dos educadores ajudá-los a viver num mundo em que não serão superprotegidos e também precisarão ser capazes de se colocar no lugar de quem é atacado, desenvolvendo empatia e compaixão.
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Em 2018, a sra. acabou envolvida em uma polêmica por causa de um trecho do seu livro O menino que espiava pra dentro, publicado em 1983. Quais foram as lições que tirou daquela situação?
Não fui envolvida em polêmica, apenas assisti a ela. Algumas pessoas não acostumadas a ler literatura não entenderam o trecho do livro, mas a grande maioria dos leitores e dos professores soube explicar muito bem que aquilo era um equívoco lamentável e ridículo.
O ALFAIATE VALENTE, por Ana Maria Machado
Editora: FTD Educação
Ano: 2022
Páginas: 48
Preço: R$ 57,00
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