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Entrevista

Tatiana Lebedeff: “Professores foram os menos escutados na pandemia”

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DANIEL SANES
03/08/2022

Em março de 2020, quando as escolas fecharam as portas em razão da pandemia, a professora Tatiana Lebedeff, do Centro de Letras e Comunicação da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), ficou apreensiva. Como educadora e mãe de um menino de 10 anos (à época), ela não estava segura sobre a efetividade do ensino remoto. Para expressar sua preocupação, escreveu um texto no Facebook, em tom de desabafo, com o título “Quando as aulas voltarem, eu não quero que tenha ‘aula’”.

O que Tatiana não imaginava era o tamanho da repercussão do artigo. O post “bombou”, com mais de 5,2 mil compartilhamentos e 7,1 mil curtidas, refletindo a ansiedade de pais e mães diante da situação.

Agora, contudo, já se passaram mais de dois anos do desabafo. E, pela primeira vez desde o início da pandemia, a grande maioria dos estudantes brasileiros deve completar em 2022 um ano letivo inteiro com aulas presenciais. O Portal Rhyzos procurou a professora Tatiana Lebedeff para saber o que mudou na educação brasileira com a pandemia. Na entrevista a seguir, concedida presencialmente em Porto Alegre, ela reflete sobre os desafios enfrentados durante a crise sanitária e como isso pode servir de aprendizado para professores, pais e estudantes.

A entrevista foi editada para efeitos de clareza e concisão.  

Rhyzos Educação – Muita gente se identificou com o seu artigo sobre o impacto da pandemia nas atividades escolares. O que mudou de lá para cá na educação brasileira?

Tatiana Lebedeff – Eu acho que a gente aprendeu algumas coisas, sim, mas ainda não conseguimos colocar em prática o resultado dessas reflexões. Por exemplo, a questão da desigualdade. Enxergamos melhor alguns recortes étnicos, de gênero. Entre professores, há estudos que mostram que mulheres negras e com filhos foram as pesquisadoras que menos publicaram durante a pandemia. E entre os estudantes há esse mesmo recorte: meninas negras em situação de vulnerabilidade econômica, foram as que mais evadiram O que é que a gente faz com essa informação agora? Eu acho que não deu tempo, não teve mobilização para pensar nos grandes prejudicados e o que fazer para reverter isso. Outra questão que eu senti muito é que os menos escutados em relação à educação foram os professores. Quem estava em sala de aula não foi convidado para falar sobre a pandemia, sobre os seus alunos, sobre suas condições de trabalho. Tivemos grandes especialistas debatendo a educação de maneira geral, mas eles não estavam com o pé na escola, não estavam preparando plano de aula, ensinando 30 crianças.

Faltou abordar o assunto de forma mais prática?

Essa era a questão mais sensível. Eu fiquei muito incomodada com alguns discursos defendendo que tinha que recuperar (o conteúdo atrasado), melhorar a internet… Fiquei muito próxima de um grupo do Rio de Janeiro, um coletivo que se chama Educação & insubmissão, que promoveu várias lives durante a pandemia, para as quais os professores eram chamados para debater, compartilhar experiências e ver o que era possível fazer. E o que se percebeu ali? Primeiro, que havia muitas crianças com fome. Como vai conseguir estudar com fome? Num segundo momento, a gente percebeu também a fragilidade tecnológica das escolas. No Rio Grande do Sul tem uma lei que proíbe telefones celulares em sala de aula. As crianças nunca usaram o celular como um dispositivo de aprendizagem, de pesquisa. Aí, de um dia para o outro, precisaram aprender a fazer isso. As escolas não usavam celular como dispositivo para facilitar a aprendizagem, não tinham laboratórios de informática, e, se tinham, não dispunham dos programas que estavam sendo utilizados no ensino remoto. Existe uma fragilidade tecnológica e de acesso à internet muito grande nas escolas.

Leia mais: Os desafios para a recuperação do aprendizado no pós-pandemia

Ainda estamos passando pela pandemia, mas as aulas voltaram. Houve mudanças mais significativas nesse sentido?

Uma situação que me incomodou também – e que menciono no texto do Facebook – é referente ao acolhimento das crianças. Quando elas voltaram às aulas, a sensação era de que tudo voltou a ser como antes. Não houve uma reflexão sobre o que aconteceu com relação à aprendizagem, voltamos sem nenhuma mudança em comparação com o que fazíamos antes. Tanto que, quando houve um retorno, em 2021, logo depois vieram as férias de julho, e em seguida, já tivemos provas, não deu nem tempo para as crianças pensarem. Outra coisa que me incomodou, em nível nacional, é que o Ministério da Educação falou muito sobre questões de higiene na escola, mas não sobre a pedagogia do ensino remoto. Não houve orientação com relação a isso. Então as escolas – e não foram poucas, foram muitíssimas – adotaram o mesmo tempo do ensino presencial para o remoto, o que é incompatível. As crianças ficavam de uma e meia às seis e meia da tarde de frente para um computador. Ninguém aguenta! As atividades às vezes eram inviáveis para as crianças fazerem em casa. Sem professor junto, elas dependiam muito dos pais, que nem sempre tinham condições de ajudar.

O que o MEC poderia ter feito?

Acho que faltou o MEC dialogar com os sistemas de educação e dizer: “Olha, o ensino remoto, na pandemia, nesse momento, tem que ser diferente”. Não pode ser uma transposição do presencial pro virtual. Trabalhei muitos anos com educação a distância, os alunos não ficam cinco horas por dia na frente do computador. Os adultos, que têm um treinamento, disciplina para se adaptar ao EaD, fazem isso por opção. Tem uma evasão enorme nessa modalidade, porque muita gente não se adapta. Mesmo na universidade os alunos reclamavam da quantidade de tarefas exigidas. Os professores também ficavam angustiados, pensando se o aluno estava assistindo aula, se estava aprendendo. Então passavam muita atividade, e os alunos não conseguiam dar conta de tudo.

Leia mais: Lourdes Atie: “O mundo mudou – e a escola precisa mudar também”  

Esse excesso de tarefas é consequência de uma cultura de cobrança por resultados?

Sim! A exigência era de se cumprir o semestre, ver tudo o que tinha que ser visto. Mas o que significa esse “tudo o que tinha que ser visto”? Porque o conteúdo, digamos, do quarto, do quinto, do sexto ano, foi dado às crianças mesmo com tudo o que estava acontecendo. Era uma situação totalmente distópica: as pessoas morrendo, passando fome, um celular para cada três, quatro crianças dentro de casa. Todo esse conteúdo tinha que ser dado, mas… Será que precisava? Será que a gente não aprendeu um pouco no primeiro ano da pandemia? No segundo ano a gente repetiu tudo, sem nenhuma reflexão.

Apesar de todos os desafios do ensino remoto, um grupo de parlamentares entrou com uma proposta de homeschooling. O que a senhora acha disso?

É complicado porque compromete a questão da socialização, das aprendizagens, do dia a dia, do brincar, do aprender a enfrentar diversas situações. A escola é o grande lugar de experimentações para a vida adulta, um espaço muito rico de socialização. Por mais críticas que se possa ter a ela, é um espaço privilegiado para o desenvolvimento infantil. Claro que há exceções, como no caso de crianças hospitalizadas, em situação de risco de saúde, que precisam ter uma educação em casa, medicadas, e mesmo elas têm momentos de interação online, com pessoas da sua faixa etária. Mas são situações excepcionais. O homeschooling precisa ter uma legislação bem rigorosa, com acompanhamento de assistentes sociais, psicólogos, para avaliar o desenvolvimento dessa criança. E tem outros aspectos que devem ser considerados. Na pandemia, diminuíram as denúncias de abuso infantil porque elas vinham principalmente da escola, dos professores, que prestam atenção a mudanças de comportamento, lesões corporais, uma série de sinais que mostram que a criança está passando por alguma situação diferente em casa.

E como o professor vai sair dessa pandemia?

Acho que o professor brasileiro sai da pandemia cansado, mas muito consciente do seu papel. Os pais perceberam que não têm condições de ensinar os filhos em casa. Eu fui uma que disse: “não consigo ensinar o meu filho! Sou uma professora universitária, mas estou entrei em colapso. Porque era uma relação de papéis muito confusos, em um momento eu era mãe, em outro era professora. Acho que os professores se deram conta de seu papel de protagonistas na educação brasileira.

Mas a sociedade reconhece esse protagonismo?

Não parece. Os salários não melhoraram durante a pandemia. Muitos tiveram, inclusive, que bancar internet para trabalhar, aumentar o pacote de dados, assistir tutoriais. Por outro lado, teve muita solidariedade, troca de informação, mas nada disso veio dos gestores, que não ofereceram espaço de formação e condições de trabalho adequadas. Foi algo perverso cobrar dos professores uma competência para a qual eles não haviam sido capacitados, que era o ensino remoto, e qualidade, sendo que muitos não possuíam nem um computador só para eles, como no caso de casais ou famílias que dividem um só. Tinham que fazer cursos nas plataformas que eram indicadas, sem que fosse perguntado a eles quais atividades achavam mais interessantes, e eram obrigados a cumprir um horário na plataforma, como se não estivessem fazendo isso no ensino remoto. Diferentes municípios, diferentes estados tiveram o mesmo procedimento de entupir os professores de tarefas e não dar efetivas condições de trabalho nem oportunidade para que falassem sobre seus desejos e angústias. Foram atropelados pelas demandas e pela cobrança de performance dos estudantes.

Leia mais: A aprendizagem visível como rotina na educação pós-pandemia


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