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Entrevista

Lourdes Atie: “O mundo mudou – e a escola precisa mudar também”  

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LEONARDO PUJOL 
08/06/2022

A socióloga Lourdes Atie tem uma experiência extensa e diversificada na educação. São mais de 30 anos rodando o Brasil e o mundo, dando palestras, treinamentos e consultorias a professores e gestores escolares. Por isso, quando Atié fala sobre os desafios atuais do setor, é importante dar atenção. “As escolas precisam entender a necessidade, em caráter de urgência, de uma revisão curricular, pois não se trata mais de adquirir conhecimentos e sim saber utilizá-los em situações reais”, defende.  

Durante a pandemia, a especialista não usou aviões para rodar o Brasil. “Viajei pelo computador. Tive oportunidade de falar para mais de 20 mil profissionais da educação no período”, relembra Atie, que ocupa o cargo de diretora da consultoria Ideias Futuras. As viagens presenciais foram retomadas recentemente. Além de eventos do setor, tem participado de dois projetos escolares no Mato Grosso do Sul – como assessora pedagógica do Acaia Pantanal. Em conversa com o Portal Rhyzos, a educadora explora as lições aprendidas com a pandemia, defende o combate à desigualdade e critica a estrutura escolar tradicional.  

A entrevista foi editada para efeitos de clareza e concisão.  

Infraestrutura escolar  

Rhyzos Educação – As aulas presenciais voltaram com tudo em 2022. O que pode ser feito para envolver os alunos e aumentar a aprendizagem deles agora que eles estão de volta à escola? 

Lourdes Atie – Primeiro, é preciso entender que não se aprende apenas em sala de aula, numa única turma. Todos os espaços escolares são educativos e precisam ser vividos, com alunos de idades e séries diferentes. O que os une são projetos interdisciplinares. E não apenas executados na escola. A cidade também é currículo

Hoje, fala-se bastante em escola em horário integral. Esse modelo faz sentido para aumentar a aprendizagem de crianças e jovens? 

Depende. Não é a ampliação do tempo na escola que garante mais aprendizagem. Uma escola ruim em meio período pode ser uma desgraça num turno ampliado. E outra coisa: escola de horário integral não é sinônimo de educação integral. É possível desenvolver uma educação integral, aquela que promove o desenvolvimento holístico de cada aluno, sem necessariamente estar em regime de tempo integral.  

Atualmente, no Brasil se defende a escola em turno integral, enquanto muitos países europeus defendem o contrário. Tratam a educação como um compromisso social mais amplo, que não é de responsabilidade apenas da escola. Experiências com ações articuladas da escola com outros espaços sociais e culturais por meio da criação de projetos conjuntos estão sendo realizados com sucesso. Assim, os estudantes podem circular e desfrutar da cidade, aprendendo a atuar como cidadãos, enquanto os estudantes brasileiros ficam encapsulados nos prédios escolares.  

Leia mais: Aqui estão alguns cuidados na hora de planejar um projeto interdisciplinar 

Escola é lugar de aprender, mas também de conviver. Qual é a importância da integração nas escolas? 

É de fundamental importância. A escola é lugar de aprender e de conviver, duas frentes inseparáveis. Enquanto espaço coletivo, ensina a aprender e conviver na pluralidade, na heterogeneidade. Para isso, precisa celebrar a diversidade e combater as desigualdades para desenvolver uma convivência que privilegie a cultura da paz.  

O que a senhora pode compartilhar sobre sua experiência no Pantanal?  

Tenho estudado mais sobre as escolas do campo e das águas. Além de entender melhor as escolas multisseriadas. O que mais me impressiona é a invisibilidade desta educação. É como se não existissem. São escolas que sobrevivem pela luta dos professores e pelo apoio de pessoas e organizações que são comprometidas com a educação. A vida por lá é duríssima, que exige um esforço enorme das famílias para que seus filhos sigam estudando. É como nadar contracorrente. Por lá, a desigualdade social e educativa é explicita. Isso merece uma outra conversa. 

Socióloga Lourdes Atie. Crédito das fotos: Uniftc/arquivo pessoal.

Longe de lá, alguns países europeus aboliram o dever de casa. A ascensão das metodologias ativas deu espaço à sala de aula invertida, em que os temas de casa são feitos em sala de aula. Diante de contextos como esses, qual é o futuro da lição de casa? 

Morreu! Na Espanha, uma associação de mães e pais ganharam na Justiça o direito de não haver lição de casa, para que seus filhos possam ser crianças e jovens, para além de serem apenas estudantes. Todos saíram dos tempos de fechamento das escolas exaustos ou frustrados pelo excesso ou pela falta da educação escolar. Acreditar que, depois de tudo que vivemos na pandemia, a escola voltará a ser o que era, não dá. O mundo mudou de forma radical e a escola precisa mudar também.  

Leia mais: Na Bett Brasil, educadores propõem escola mais inclusiva 

Lições da pandemia  

A senhora mencionou a pandemia. O que as escolas (e seus gestores) aprenderam com esse período? 

Não há como opinar de forma generalista. Mas posso falar da minha perspectiva. Primeiro, é importante não esquecer que antes da pandemia a escola já sofria um déficit de sentido. Então acho que a coisa mais importante que as instituições aprenderam na pandemia é que o mundo da escola, seguro, previsível e controlado, acabou. Os gestores tiveram que trabalhar na insegurança e na total incerteza do futuro.  

Outra aprendizagem foi constatar que, pela primeira vez, não havia solução pronta a ser consumida pelas escolas. Ninguém tinha receita de sucesso para lidar com a crise que estavam vivendo. Tudo foi preciso ser construído, levando em consideração cada contexto e cada comunidade escolar. E isso fez com que as escolas vivessem o erro e o entendessem como necessário, sem preconceito. 

E os professores: o que aprenderam com a pandemia? 

Acho que o desafio maior para os professores foi perceber o quanto a autonomia intelectual dos estudantes precisava ser construída. Eles descobriram que os alunos não sabem estudar com autonomia, dependem das orientações de adultos, como pais e professores. Outro aspecto importante é que o tempo que ensinaram de forma remota, seja pelas telas ou pelos materiais impressos, foi para essencializar as propostas curriculares e as atividades. Era um outro tempo, diferente do tempo das aulas presenciais. Não adiantava acelerar a apresentação de conhecimento porque não havia sucesso.  

Qual é a proposta pedagógica mais eficiente no mundo pós-pandêmico? 

Aquela que partir do entendimento de que a educação é um bem público, ao alcance de todos. Para isso, será preciso fazer a escola com sentido, revendo seu currículo, para que deixe de ser sobrecarregado e que seja o meio para entender e atuar no mundo. A proposta pedagógica precisa refletir um novo contrato social, cujo desafio é combater as desigualdades sociais, que se agravaram na pandemia. É preciso ainda privilegiar as questões ambientais como eixo central. 

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