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Entrevista

Maria Cláudia Amaro: “A educação precisa decolar”

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RICARDO LACERDA, EMANUEL NEVES E LEONARDO PUJOL
11/03/2022

Quando era criança, Maria Cláudia Amaro achava a escola um lugar sem graça. As aulas passavam longe de serem instigantes. Para piorar, o ambiente não era nada atrativo, tampouco acolhedor. Isso que ela frequentou algumas das mais tradicionais e conceituadas instituições de São Paulo. Não à toa, Maria Cláudia buscou uma formação superior fora do Brasil: cursou Comunicação e Marketing nos Estados Unidos. Depois, construiu uma bem-sucedida carreira executiva na TAM – companhia aérea fundada pelo seu pai, Rolim Amaro, em meados dos anos 1970 – e na Latam, resultante da fusão entre a TAM e a chilena LAN.

Três décadas dedicadas ao mundo corporativo foram suficientes para Maria Cláudia perceber que estava na hora de um novo desafio. Mãe de duas meninas em idade escolar, acompanhando in loco suas rotinas de estudos, ela se surpreendeu negativamente ao ver que pouca coisa mudara desde o seu tempo de colégio. Na mesma época, ela conheceu a ONG Casa do Zezinho, na periferia paulistana, onde também se surpreendeu – agora, positivamente – com a forma humanizada como as crianças e adolescentes eram tratados no contraturno escolar.

Das duas surpresas veio uma convicção: a de que a educação básica brasileira precisa decolar. Assim nasceu o projeto da Rhyzos Educação, que em março de 2022 ganhou novo site.

Fundada por Maria Cláudia em 2017, três anos depois de sair do conselho de administração da Latam, a Rhyzos tem como objetivo criar, apoiar e investir em projetos e negócios inovadores na área da educação básica. Em especial, a formação e a qualificação de professores e gestores educacionais. Além de iniciativas como a organização de think tanks, pesquisas, cursos, oficinas e experimentações em seu laboratório maker, a Rhyzos comprou em 2020 o sistema de educação bilíngue TWICE. A solução propõe uma imersão total da língua inglesa no currículo das escolas, especialmente nas séries iniciais e a um custo acessível.

Atenta a oportunidades e tendências em educação, desde metodologias de ensino inovadoras a benchmarks internacionais, a fundadora e CEO da Rhyzos explica, nesta entrevista, o que a fez embarcar no segmento educacional – e o que lhe dá certeza de que está na rota certa.

***

Rhyzos Educação – Em que é possível comparar a aviação com a educação? Que paralelos você enxerga?

Maria Cláudia Amaro – A educação sempre foi algo muito importante em minha vida profissional. Enquanto trabalhava com Marketing, eu costumava direcionar nossos patrocínios a projetos ligados à educação. Talvez porque na indústria da aviação o treinamento do funcionário é fundamental. Pode custar vidas se eu não o fizer recorrentemente – e, por isso, é obrigatório por lei. Então a questão da formação continuada vem daí, da necessidade de manter as pessoas sempre oxigenadas.

Você nasceu e cresceu no mundo da aviação. Depois de fazer carreira no setor, por que você decidiu empreender em educação? Eu não fui uma pessoa superfeliz na escola. Tinha dificuldade de me entender com o colégio. Tudo bem, a minha época eram os anos 1980, diferente de hoje. Mas quando me tornei mãe, e as minhas filhas foram para a escola, comecei a ver que não tinha mudado nada. Essa época coincidiu com um momento em que eu vinha cansada do mundo corporativo. Quem já trabalhou nele sabe que é uma máquina de triturar pessoas, um ambiente que vai te massacrando. Eu sou divorciada e tenho duas meninas. Me desdobrei em 500, porque ia a todas as consultas médicas, dentistas, reuniões na escola, no trabalho, viagens e mais viagens. Foram anos maravilhosos, uma grande experiência, mas cheguei ao meu limite. Queria fazer outra coisa.

Também foi nessa época que você conheceu melhor a realidade da periferia, certo? Isso. Foi por volta de 2016. Uma grande amiga me convidou para conhecer a Casa do Zezinho, uma ONG no Capão Redondo, localizada numa região de São Paulo que já foi conhecida como Triângulo da Morte. Ao entrar na ONG, fiquei impactada. Saí dali entendendo melhor a realidade daquelas crianças da periferia, algumas colocadas na prostituição ou no tráfico desde os oito anos de idade, outras que nunca viram o pai ou que precisam fugir da polícia, fugir da milícia. Sem querer vitimizar ninguém, mas é um mundo absolutamente diferente do meu. Havia um abismo.

O que mais chamou sua atenção na Casa do Zezinho? Ao mesmo tempo em que vi tantas dificuldades, percebi como a entidade desenvolvia uma pedagogia de acolhimento, e que isso exercia um impacto altamente positivo na vida das crianças. Aí me questionei: se eles que não são uma escola, e sim um programa de contraturno, uma continuação da formação escolar, conseguem tanto êxito, por que uma escola de elite de São Paulo não consegue? Não é possível que exista essa capacidade transformadora na periferia e a gente não consiga levá-la a outras escolas. Foi aí que percebi que gostaria de trabalhar com educação, que era um desafio interessante. Resolvi pesquisar e conhecer mais sobre o setor, viajar pelo Brasil e pelo mundo, ver novos modelos, benchmarks. E tem sido um longo caminho o que eu venho trilhando a fim de entender o segmento da educação, que é algo sistêmico.

Maria Cláudia Amaro, mergulhando no setor de educação: visita à EMEF Des. Amorim Lima, em São Paulo. Créditos: arquivo pessoal.

Nesse sentido, seu foco sempre esteve na educação básica? Desde o início eu acreditava, e continuo acreditando, que a gente precisa falar em educação básica. Não que o ensino superior não seja importante, mas se a gente não melhorar a qualidade do aluno que chega às faculdades, não sei o que vai ser de nós daqui a 20 anos. Então meu foco é trazer a criança para dentro escola, para que ela se engaje mais, a partir de um acolhimento maior. Isso vai ajudar a reduzir o problema da evasão, que é grave no Brasil.

Em sua Missão, a Rhyzos se propõe a “encorajar e apoiar iniciativas e pessoas que ultrapassam os muros da educação básica tradicional e fortalecem as pontes de conhecimento”. Como isso é feito, na prática? Antes de criar Rhyzos, em 2017, viajei para tentar entender o setor. Depois, fizemos muitos debates com pessoas das mais diversas origens, discutindo a educação com um grupo o mais heterogêneo possível. Eu não quero discutir educação só com educadores, e nem quero discutir educação só com pai e mãe. Nesse grupo havia empresários, professores, psicólogos, pais, membros de ONGs. Organizamos também uma comunidade de professores que se encontravam regularmente em um ambiente que estimulasse a discussão. Eram entre 17 e 18 professores, de diferentes escolas, públicas e privadas, que desenvolviam projetos e levavam muita coisa para a sala de aula. Assim, aprendemos o que funcionava o que não funcionava.

O que não funcionava? No ambiente corporativo existe aquilo que chamamos de learning organization, que é a empresa que aprende consigo mesma. Nas escolas existe o kit organization, algo pré-estabelecido, em que as organizações dificilmente aprendem com os alunos. Um grande desafio da educação brasileira está no Fundamental 2, quando a criança entra no 5º ano e, do dia para a noite, a escola fica chata – ela deixa de ser lúdica, passa a ter vários professores, um monte de matérias. E coincide com a fase em que a criança entra na puberdade, em que aumentam as chances de ela desembarcar da escola. Descobrimos, por exemplo, que a menina se desliga mais da ciência do que o menino. Por quê? Onde esse ensino está errando? Por que não temos mais mulheres cientistas?

Hoje fala-se muito que o aluno deve ser protagonista do seu próprio desenvolvimento. Para que isso aconteça, é preciso também mudar o mindset do professor. Por isso, a Rhyzos se coloca, sobretudo, à frente do desenvolvimento profissional do professor. Cuidamos desta formação trazendo novas ferramentas de trabalho, novas metodologias. Nosso olhar também está nas escolas, e estamos atentos a oportunidades de negócio nesse sentido – desde que existam similaridades com aquilo em que acreditamos. Sabemos que existem alguns modismos na educação, e que precisamos ir além. Houve a onda dos laboratórios de informática, a moda dos tablets, mas o computador é ferramenta, não metodologia. E aqui eu volto à minha trajetória na aviação, de onde vem o exemplo do treinamento constante do piloto, dos comissários, e nos damos conta de que a formação continuada do professor é fundamental. Não vamos conseguir muito impacto na educação se não impactarmos também o profissional. Entendo a importância de colocar a criança no centro do processo, mas é preciso cuidar, também, de quem cuida dela.

Seu pai costumava dizer que“toda a grande obra é fruto da obsessão de um sonhador”. Qual é o seu sonho com a Rhyzos? A Rhyzos é uma empresa que vem amadurecendo, fazendo alguns trabalhos, iniciativas e pesquisas junto com adolescentes e professores para entender mais a fundo o segmento educacional. E agora passamos de fato a ter atividades operacionais. Daqui a cinco anos nos vejo como uma grande plataforma de treinamentos e cursos para professores certificada, que realmente tenha valor e traga soluções práticas, coisas que funcionam em sala de aula. Não queremos ficar na questão da filosofia. E, veja bem, eu adoro filosofia, mas temos no Brasil uma educação muito boa na parte teórica e, por outro lado, falta dar ao professor ferramentas que ele utilize no dia a dia da sala de aula. Também vejo a Rhyzos apostando em novos negócios, trazendo autores diferenciados para dentro da plataforma, sempre com a premissa de se adequar rapidamente àquilo que acontece no mercado.

Maria Cláudia Amaro, fundadora da Rhyzos Educação.

Há uma série de novas metodologias de ensino em evidência. Quais delas despertam mais o seu interesse e, claro, fazem parte do dia a dia da Rhyzos? Sempre pesquisamos o ensino baseado em projetos, que tem a ver o universo maker, com laboratório de prototipagem. Eu fui na Universidade Stanford, nos Estados Unidos, conversei com gente do MIT (Massachusetts Institute of Technology) para entender como isso funciona. A ideia central é ensinar primeiro a prática para depois entrar com a teoria. É obvio que não é possível fazer isso com tudo, mas quando você executa primeiro para só então entrar com a teoria, você retém melhor o conhecimento. O grande desafio do ensino baseado em projetos é trazer as humanidades para dentro da educação. Afinal, é fácil pensar em laboratório de ensino maker para matérias como física, química, biologia e matemática. E o que fazer com geografia, história, inglês? Lembro que virou uma moda muita escola comprando impressora 3D, os pais ficavam maravilhados com isso. E a minha pergunta é: o que o seu filho vai fazer com uma impressora 3D? Se ele não souber explorar, vai ser uma fábrica de chaveirinhos – e feios, ainda por cima. Fizemos um experimento com grupos de adolescentes em que eles recortavam textos de Fernando Pessoa e colavam no teto, tudo desordenado. Quem entrava na sala tinha que reconhecer o poema, montar, reescrever o texto de outra forma e trazer aquilo para a sua realidade. É uma forma de trazer a humanidade para dentro do laboratório.

Você falou da experiência no MIT. O que mais viu de legal em sua busca por práticas inovadoras munda fora? Quando comecei a buscar referências no exterior, estava começando a se falar mais em ensino maker, em ensino baseado em projetos. Para entender melhor o que acontecia, visitei desde escolas experimentais no Vale do Silício até projetos governamentais na Índia. Na região de São Francisco, nos Estados Unidos, vi uma escola que funcionava dentro de um galpão de fábrica, com os ambientes eram divididos com peças de marcenaria. Eles faziam a sala de aula como se fosse mobiliário, e foi ali que vi até mesmo uma turma construindo um avião – que deveria voar ao fim do curso! Eles recebiam mentoria de engenheiros, claro. Então, imagina um adolescente que sai da escola aos 17 anos tendo participado disso. Na hora em que ele entrar na faculdade, o que você vai ensinar a ele? Nessas experimentações é possível perceber o enorme potencial das crianças.

O que mais você pode compartilhar sobre os exemplos vistos em outros países? Visitei escolas baseadas em laboratório maker, fui a instalações da Universidade Stanford. Estive em escolas na Índia, em Nova York. Vi uma escola com metodologia de design thinking na Índia que me encantou, pois havia uma conexão enorme com a comunidade local, algo transformador. Era uma instituição particular com um projeto social grande tocado pelos próprios alunos. Em um determinado momento, a partir de uma idade específica, eles passam a dedicar duas horas da semana a dar aulas de reforço, de matemática e inglês, para crianças da rede pública. Pude assistir essas aulas, e é muito interessante ver uma criança ensinado outra. Primeiro, porque é uma grande forma de aprender. Segundo, porque a linguagem é entre elas é muito diferente, elas falam “a mesma língua”. Ainda nessa escola, constataram algo óbvio, que adolescente não gosta de acordar cedo. Então mudaram o horário de início das aulas. Em vez de começar às oito da manhã, era às nove. Mas uma ou duas vezes na semana cada aluno precisa ir uma hora mais cedo para dar a aula de reforço. Cada dia era um aluno, que tinha que passar o conteúdo para o próximo continuar dando aquela aula – estimulando o trabalho em conjunto. Além disso, promovia o contato com crianças de outra classe social. Foi um dos projetos que mais me chamaram atenção. Lá eles tinham uma certa liberdade que permitia à criança tratar a escola como propriedade dela.

E nos Estados Unidos, qual foi sua percepção dos chamados labs?

Visitei em Nova York um projeto que tinha a gamificação na aprendizagem, algo que é muito bacana. Os alunos desenvolvem jogos e relacionam com os conteúdos das matérias. Quando estive lá, estavam fazendo um jogo para a disciplina de História sobre a Guerra Civil nos EUA. Alguns faziam jogos eletrônicos; outros, jogos de tabuleiros; outros, peça de teatro. Foi ali que eu entrei em contato com o lab na escola, que é um laboratório de prototipagem. Outra escola que vi em Nova York usava arte, muita arte, que é algo que chama atenção, pois o nosso ensino está muito segmentado, e deveria ser mais humanista. A educação, em minha opinião, precisa da presença forte da arte. Não é só escultura de argila, pois eu posso não gostar de desenhar, mas adorar teatro. Olhando mais para frente, grande parte das carreiras que permanecerão serão aquelas mais criativas. A criatividade precisa ser estimulada incessantemente.

Maria Cláudia Amaro, em visita à escola na Índia, para entender o uso do desing thinking na educação.

Mas há de se reconhecer que a realidade dos EUA, da Índia e do Brasil são bem diferentes. Aliás, o próprio Brasil é repleto de contextos e idiossincrasias. Claro, o que funciona na Índia não necessariamente funciona aqui. Eu não acredito que o nosso modelo tenha que ser igual a outros países. Existem experiências para iniciar, que servem como ponto de partida, como referência. Mas mesmo no Brasil há diferenças. Uma escola bem-sucedida em Porto Alegre é muito diferente de uma escola bem-sucedida em São Paulo. No entanto, temos condições de desenvolver ferramentas interessantes, desde que sejam adaptadas à nossa realidade.

O TWICE é um exemplo de adaptação ao fazer do bilinguismo algo mais acessível, e não restrito às escolas de maior poder aquisitivo. Exatamente. O TWICE é um método fácil de aplicar, que traz a capacidade de democratizar o bilinguismo, com preço acessível, deixando de ser algo exclusivo das escolas de elite. A metodologia está rodando há dois anos conosco, mas infelizmente sofreu com a pandemia. Trata-se de um método bilingue que funciona muito bem, inclusive porque o grande momento para começar com o inglês é com a criança pequena. Então a gente está em escola e pré-escola, que foi quem mais sofreu com evasão na pandemia. Agora estamos investindo ainda mais, montando uma estrutura comercial mais robusta para ver o TWICE implementado em muito mais escolas, com o bilinguismo bem mais difundido, pois é uma tendência que veio para ficar.

Outro movimento provável é a aquisição de escolas pela Rhyzos? Sim, a ideia é ter algumas escolas dentro do grupo. Isso porque gerir escolas é uma forma interessante de estar na ponta, meio que “barriga no balcão”, entendendo o que está rolando no curso, no dia a dia da criança, do adolescente e do professor. Ao fazermos isso, a instituição vai ter que se transformar em uma escola bilíngue, e todos os professores terão que fazer a nossa grade de cursos, claro.

Para finalizar, pode nos contar um pouco sobre a origem do nome Rhyzos? Uma vez, uma amiga comentou sobre a filosofia rizomática [rizoma é um conceito filosófico que ilustra a estrutura do conhecimento como uma raiz que origina múltiplos ramos, sem respeitar uma subordinação hierárquica estrita, como ocorre no modelo arbóreo]. Então resolvi dar uma lida, entender melhor, e vi que fazia muito sentido para o momento.  Na mesma época, eu estava procurando um nome, buscando insights de origens de palavras. Comecei a ver palavras que tinham a ver com rizoma e apareceu a palavra Rhyzos, que significa raízes em grego. Achei oportuno. Inclusive porque Rhyzos remete a sorriso, e a educação não deve, jamais, ser triste.


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