Nassim Taleb questiona a mentalidade escolar
ANA CAROLNA STOBBE
07/04/2022
“Minha presença no mundo não é a de quem a ele se adapta, mas a de quem nele se insere.” A ideia expressa por Paulo Freire (1921-1997), em Pedagogia da Autonomia, contrapõe-se ao mito de Procusto. Segundo a mitologia grega, Procusto raptava viajantes, alimentava-lhes e os convidava a passar a noite em uma cama especial. Mas o hóspede precisava caber perfeitamente nela. Por isso, Procusto esticava os hóspedes, se eram muito pequenos, ou cortava seus membros, caso fossem muito grandes e excedessem os limites da cama.
Metaforicamente, o ser humano age de maneira similar. Ele vai se moldando até caber em “caixas” pré-concebidas pela sociedade. A afirmação é do célebre economista Nassim Nicholas Taleb, que em fevereiro lançou pela editoria Objetiva o livro A Cama de Procusto.
Escrito com base em aforismos – considerados pelo autor uma das poucas camas de Procusto que fazem a vida valer a pena –, o livro traz reflexões e pensamentos sobre os efeitos colaterais da civilização moderna, muitas vezes de forma irônica ou provocativa. Vários eixos da vida são abordados na obra, incluindo a educação.
Autor de Cisne Negro e Antifrágil, leitura frequente nas escolas de negócio, Taleb transmite sua insatisfação com o jeito como as escolas de ensino básico e faculdades conduzem o ensino. Para ele, o processo de aprendizagem deve valorizar a experiência, a criatividade e a autonomia. “Um indivíduo existe se e somente se for livre para fazer coisas sem um objetivo visível, sem justificativa e, sobretudo, fora da ditadura da narrativa de outra pessoa”, escreve.
O patrono da educação brasileira falava algo parecido. Freire se queixava da “educação bancária”, onde o professor vê o aluno como um cofre vazio, no qual deposita o conhecimento em forma de narração até enriquecê-lo.
Para Taleb, é preciso fugir de narrativas. Por exemplo: o que se convencionou chamar de “desperdício de tempo”, na verdade, pode ser um ótimo investimento. Ele também diz que nosso cérebro pode ser mais inteligente quando não recebe ordens sobre o que fazer. A liberdade, em tese, é o que permite a criatividade e o aprendizado.
Nassim Nicholas Taleb defende ainda que o conhecimento seja construído de forma coletiva e contínua. E que a inteligência de um estudante não pode ser medida em sala de aula. Afinal, na vida real as pessoas geralmente encontram mais perguntas do que respostas. Assim como vai ao encontro do pensamento de Paulo Freire, a ideia de Taleb também encontra eco em Jean Piaget (1896-1980), considerado um dos pais da psicologia da educação.
Como Piaget, Taleb propõe que a aprendizagem ocorra com base no desequilíbrio – que pode ser causado pela imprevisibilidade. O professor Merlí, personagem da série homônima disponível na Netflix, certamente é um exemplo de educador adepto à abordagem.
Em geral, A Cama de Procusto é um livro para ler aos poucos, saboreando a reflexão de cada aforismo. Apesar de não ser voltada inteiramente à educação, a obra proporciona aos educadores uma forma de vislumbrar a prática docente, convidando-os a saírem de suas camas de Procusto – e a fazerem o mesmo em sala de aula. A seguir, confira mais alguns aforismos (provocativos) de Taleb.
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“Desconfio que os testes de QI, o vestibular e o boletim escolar sejam testes concebidos por nerds para que possam obter notas altas a fim de chamarem uns aos outros de inteligentes.”
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“Concorda-se que o treinamento em xadrez serve apenas para melhorar as habilidades no xadrez, mas não que o treinamento em sala de aula serve (quase que) apenas para melhorar as habilidades em sala de aula.”
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“Deveríamos fazer com que os alunos recalculem sua média escolar somando suas notas em finanças e economia de trás para a frente.”
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“Se o professor não for capaz de dar uma aula sem preparação, não assista a ela. As pessoas devem ensinar apenas o que aprenderam organicamente, por meio da experiência e da curiosidade… ou arranjar outro emprego.”
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“Nunca contrate um aluno nota dez, a menos que seja para fazer provas.”
A CAMA DE PROCUSTO, por Nassim Nicholas Taleb (tradução de Renato Marques)
Editora: Objetiva
Ano: 2022
Número de páginas: 160
Preço: R$ 44,90 / E-book: 29,90
