O desenvolvimento socioemocional das crianças no contexto escolar
RENATA CARDOSO
02/05/2022
Você já parou para pensar em como o bem-estar e a saúde emocional estão intimamente ligados à maneira como aprendemos? Imagine uma criança que perdeu seu animalzinho de estimação. Ela vai à escola triste, e mal conseguirá prestar atenção nas aulas.
Existem diversos outros exemplos que seguem essa linha de raciocínio – desde uma estrutura familiar instável, até uma personalidade naturalmente mais retraída. O fato é que não se pode dissociar a maneira como aprendemos das emoções sentidas, dos afetos e expectativas que cada um tem. Por isso, deve-se pensar na escola como um espaço privilegiado para a formação integral de seres humanos.
O problema é que pautar as habilidades socioemocionais com intencionalidade no espaço escolar é algo relativamente novo, além de desafiador. Pressupõe a mudança da lógica que designa a formação da pessoa para a família e a formação intelectual, para a escola.
“É preciso superar o pensamento de que as crianças deixam suas emoções em casa e vão para a escola só com o corpo para receber conhecimento. Isso não existe”, afirma Anita Abed, consultora da Unesco sobre habilidades socioemocionais e psicóloga com 30 anos de prática clínica.
“Todos, de estudantes a professores, comparecem à escola inteiros, com razão, emoção, desejos, fragilidades e sonhos. Não pode ser diferente. É mentira dizer que o aprender tem haver apenas com a cognição.”
Transformações
Para Abed, o grande desafio é sair de uma escola tradicional, baseada em conteúdos transmitidos de maneira vertical pelo professor. Nesse funcionamento, o ensino é confundido com a memorização. Para dar conta de uma formação cada vez mais humana e menos conteudista, será necessário promover a atualização das instituições e dos profissionais.
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No Brasil, um dos documentos que expressa essa mudança de paradigma é a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Ela aponta que em qualquer atividade pedagógica na escola é necessário levar em conta o desenvolvendo de dez grandes competências.
Entre elas, a especialista destaca algumas: o item 6, que fala do projeto de vida; o 8, que aborda o autoconhecimento e o cuidado com a saúde física e mental; o 9, sobre interações humanas, empatia e respeito; e o 10, que traz o assunto da cidadania, da ética e da democracia.
Para a consultora da Unesco, deve-se trabalhar as habilidades socioemocionais integradas à construção do conhecimento – e não como algo à parte ou de segunda importância.
“A principal função da escola continua sendo o compromisso com o conhecimento. Mas preparar as crianças para um futuro cada vez mais incerto necessariamente passa pelo desenvolvimento de habilidades como a responsabilidade. Responsabilidade por si mesmo e pela sua parcela de contribuição na construção da sociedade”
Como colocar em prática
Fazer essa transformação acontecer e seguir as diretrizes da BNCC pode não ser tarefa fácil. Para a psicóloga, existem duas formas principais para se obter êxito.
A primeira é mudar a metodologia de trabalho, saindo de uma aula apenas expositiva para incluir outras formas de ensinar: “Hoje, as metodologias ativas estão muito fortes. Aqui entra o uso de storytelling, dramatizações, uma série de dinâmicas, colocando as crianças como construtoras do conhecimento”.
Um exemplo simples é, em vez de falar sobre sustentabilidade, colocar a criançada para limpar a praça do bairro e fazer cartazes de “Não jogue lixo”. A prática é didática e tem apelo socioemocional, pois promove a integração com a comunidade e desenvolve os sensos de pertencimento e responsabilidade.
Outra forma de abordar as questões socioemocionais é incluir momentos na grade curricular dedicados a esse assunto. “Ter roda de conversa, trabalhar projeto de vida. Isso já está na BNCC. Também é importante formar professores para isso, sempre lembrando que essa disciplina não é para ter caráter terapêutico, e sim educativo”, salienta.
Pós-pandemia
Questionada sobre a promoção das habilidades socioemocionais, Abed destaca que o apoio é fundamental tanto aos professores quanto aos estudantes.
“Se antes já não era ideal termos uma educação bancária, hoje menos ainda. Ninguém tem uma resposta exata de como deva ser, nem os especialistas. Mas acredito que o caminho seja mesmo trabalhar com metodologias ativas que redimensionem a relação com o próprio conhecimento”, frisa Abed.
“Outra saída é oferecer redes de apoio, contratando profissionais psicólogos e psicopedagogos para apoiar as instituições escolares.”
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