Como capacitar um aluno para viver em qualquer lugar do mundo
ANA CAROLINA STOBBE
11/07/2022
Desde pequena, Eduarda Pelisser, 22 anos, dizia que moraria em outro país. Ao fim do Ensino Médio, quase se inscreveu para fazer faculdade no exterior, mas optou por permanecer em Porto Alegre, onde cursou engenharia química na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E foi a partir da instituição que finalmente atingiu a meta da infância: matriculou-se na École Centrale de Lille, na França, onde atualmente busca de uma dupla titulação. “A França é um país que tem muitos convênios com o Brasil, em programas de intercâmbio. Eu quero trabalhar com engenharia nuclear e a França é um dos países que mais usa esse recurso energético”, explica Eduarda.
A experiência reforça que a educação pode transformar realidades. No caso de Eduarda, foi através do estudo que ela realizou um sonho. No entanto, a vivência no exterior traz seus desafios. Mudando-se do Brasil, a pessoa vai precisar conviver com uma nova cultura e, geralmente, um novo idioma.
A escola pode ser esse local de preparação. O ensino bilíngue e as competências socioemocionais estão cada vez mais presentes no currículo escolar das instituições que desejam estar na vanguarda do conhecimento. Parte desse processo advém da capacitação docente. Os professores podem ser incentivados a trabalhar o bilinguismo e o socioemocional em sala de aula. Em um mundo globalizado e hiperconectado, não há como fugir dessas temáticas.
Bilinguismo: mais do que aprender outro idioma
Uma pesquisa realizada pela Fundação Estudar demonstra que 66% dos jovens brasileiros pensam em cursar uma pós-graduação no exterior, mas a falta de conhecimento do idioma é fator impeditivo de aproximadamente oito a cada dez participantes da pesquisa. A engenheira Letícia Pierdoná, de 26 anos, sabe bem o que é lidar com essa dificuldade. Mesmo sem saber falar inglês, decidiu passar uma temporada na Inglaterra. Seu objetivo era fazer um curso imersivo do idioma – enquanto trabalhava como Au Pair (conhecida aqui no Brasil como babá).
Nas primeiras semanas, a comunicação foi bastante complicada. Mas, com paciência e dedicação, Letícia foi se desenvolvendo no idioma. Hoje, com domínio do inglês e morando na Irlanda, ela não recomenda viajar sem saber falar pelo menos o básico da língua local. A professora Adriana Duarte, que é conselheira de uma escola internacional, compartilha a mesma visão: “Experiências assim podem retardar a aprendizagem, por gerar insegurança e medo”.
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Para estimular o bilinguismo em crianças e jovens, escolas bilíngues são mais indicadas do que cursos de idiomas. Segundo Adriana, que é pós-doutora em Educação e especialista em formação de tradutores, as escolas bilíngues aplicam a língua na prática – com um ensino associado às características culturais. É dessa forma que se aprende a “cultura do idioma”.
Mas mesmo as escolas que não usam um sistema bilíngue de ensino podem adotar tal postura. Para Adriana, uma das maiores dificuldades está na maneira como o ensino de um novo idioma é feito na escola: de forma arcaica, descontextualizada e focando em uma pronúncia perfeita. Esse modelo tende a passar ao aluno a mensagem de que o aprendizado de uma nova língua é uma “missão impossível”.
Para superar essa cultura, de novo, é essencial que as escolas invistam em educação permanente para os docentes. Segundo a professora Adriana, seus colegas devem compreender que um idioma se aprende pela construção de novos contextos. “Temos que criar contextos enunciativos e discursivos que forneçam o conhecimento e não focar na repetição de frases prontas sem aplicação prática.”
Outra crença a ser superada é a de que estudar em escolas bilíngues desde cedo prejudica a alfabetização e o aprendizado da língua materna. Puro mito. As crianças possuem uma neuroplasticidade (capacidade de aprender coisas novas) maior que a dos adultos. Além disso, vários estudos recentes comprovam uma maior facilidade no aprendizado de novos idiomas quando mais estímulos são acionados.
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Educação socioemocional: qual é o papel da escola?
Competências socioemocionais podem ser entendidas como um conjunto de habilidades interpessoais. Ou seja, características (inatas ou não) do indivíduo, que dizem respeito ao desenvolvimento pessoal, como autoconhecimento, empatia e resiliência.
Letícia, que foi viver na Inglaterra, lembra que as coisas poderiam ter sido melhores se estivesse melhor preparada para viver pela primeira vez longe dos pais, em um novo país com idioma até então desconhecido. “A preparação emocional é tão importante quanto a preparação com a língua”, diz. A engenheira acredita que a experiência foi essencial para transformá-la, fazê-la amadurecer e aprender a lidar com adversidades.
Eduarda, que estudou na França, também percebe essa importância. Ela, inclusive, deixa um conselho para quem pretende se mudar para outro país: “É preciso estar preparado para todas as adversidades que podem surgir nessa transição. Você está fora da sua zona de conforto, precisa estar muito bem preparado para situações ruins que vão acontecer e saber como lidar com elas”. É o tipo de coisa que pode ser aprendido em sala de aula, através de metodologias de ensino como a aprendizagem baseada em problemas e a aprendizagem baseada em projetos.
A nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e os itinerários formativos do novo Ensino Médio estão voltados ao desenvolvimento das competências socioemocionais. A psicóloga, pedagoga e mestre em educação Karina Nones Tomelin destaca que a atenção dada a um projeto de vida, por exemplo, estimula o autoconhecimento.
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Para Karina, a escola possui um papel importante no que diz respeito à educação socioemocional. Por isso, deve estimular a criação de ambientes de trocas e a conexão com diferentes pessoas. “Interpretar, analisar, compreender e reconhecer as situações em que mobilizamos as competências socioemocionais é um primeiro passo para desenvolvê-las”, explica a especialista.
Projetos interdisciplinares são uma boa maneira de estimular os estudantes a desenvolverem essas habilidades. Isso, porque trabalham muitas vezes com a multidisciplinaridade e com a responsabilização dos educandos, de forma que todos precisam contribuir para o resultado final do projeto. A partir dessa metodologia, é possível aprender a solucionar problemas complexos e se adaptar a diferentes contextos.
As competências socioemocionais capacitam para viver em outro país, claro, mas de modo geral são mais relevantes ao próprio desenvolvimento cognitivo. Afinal, é preciso estar mentalmente saudável para que o ensino-aprendizado seja satisfatório. Por isso, Karina acredita que as competências comportamentais não devem ser apenas ensinadas, mas praticadas em sala de aula: “Cada vez mais se faz necessário nomeá-las, torná-las visíveis e interpretáveis, possibilitando que sejam compreendidas pelos professores e traduzidas aos estudantes”, explica.
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